Diante do desaquecimento do mercado interno e de barreiras crescentes para exportar aos Estados Unidos e à Europa, grandes empresas chinesas de tecnologia, comércio eletrônico e entrega têm voltado seus olhos para mercados emergentes — e o Brasil desponta como o destino mais cobiçado. A maior economia da América Latina, com mais de 200 milhões de habitantes, se tornou prioridade para companhias como Meituan, Mixue, TikTok Shop, Temu e Shein, que buscam replicar no país modelos de negócios baseados em baixo custo e alta escala.
A Meituan, maior empresa de entrega de comida da China, anunciou em maio um investimento de US$ 1 bilhão para iniciar operações no Brasil. A rede de sobremesas Mixue também confirmou que contratará milhares de funcionários localmente. O TikTok Shop, braço de e-commerce da plataforma de vídeos, foi lançado no país no mesmo período. As movimentações ocorrem num momento em que o comércio bilateral entre China e Brasil quase dobrou em uma década, com investimentos chineses em áreas como mineração, energia renovável e setor automotivo.
O movimento para fora da China reflete as dificuldades enfrentadas por essas empresas em casa: queda no consumo, colapso no setor imobiliário, maior concorrência interna e o endurecimento da regulação sobre práticas trabalhistas e uso de dados. Ao mesmo tempo, medidas protecionistas em mercados como EUA e Europa têm fechado portas — como o fim de isenções fiscais para importações de baixo valor decretado pelo governo Trump. Com menos espaço para crescer no exterior tradicional, mercados como o Brasil ganham relevância.
O apelo do país também se explica pela boa relação diplomática entre os dois governos. A visita recente do presidente Lula a Pequim e o alinhamento estratégico com o líder chinês Xi Jinping reforçaram a confiança de empresas chinesas em operar no Brasil, segundo analistas.
No entanto, o sucesso não é garantido. A agressiva estratégia de entrada de empresas como a Meituan — que opera com prejuízo no início para dominar mercados — pode atrair atenção de reguladores brasileiros, especialmente no tratamento de entregadores e uso de dados. A empresa usou esse modelo na China, Hong Kong e Arábia Saudita, onde rapidamente desbancou concorrentes locais.
Outras marcas chinesas já firmaram presença relevante no Brasil. A Shein fez do país um de seus principais mercados, com três centros de distribuição na região de São Paulo. A Didi, que comprou a brasileira 99 em 2018, se consolidou no transporte privado. A Temu, do grupo Pinduoduo, entrou no país em 2023 vendendo produtos com descontos agressivos, de até 70%.
Mesmo com a taxação de 20% sobre pacotes abaixo de US$ 50 no Brasil, essa alíquota ainda é menor que a cobrada por EUA e Europa, o que favorece a permanência das plataformas. Ainda assim, o modelo chinês de operação, baseado em grande volume e margens apertadas, é alvo de críticas na China por más condições de trabalho. Incidentes envolvendo entregadores da Meituan levaram o governo chinês a endurecer as regras para empresas do setor.
Com o mercado de delivery saturado e mais regulamentado na China, analistas afirmam que o momento de ouro para empresas como a Meituan no país asiático pode ter passado. A entrada de concorrentes como a JD.com no setor de entregas e a escassez de novos nichos de crescimento impulsionam a busca por mercados como o Brasil.
Para consultores internacionais, a lógica é clara: diante da estagnação doméstica, crescer fora da China se tornou questão de sobrevivência. E, por ora, o Brasil oferece uma combinação rara de escala, apetite por consumo digital e ambiente geopolítico favorável.