A Câmara dos Deputados gasta anualmente mais de R$ 1 bilhão com salários, gratificações e auxílios pagos a secretários parlamentares cujas jornadas de trabalho não são controladas nem fiscalizadas. Esse valor atingiu um recorde sob a gestão do atual presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), e envolve quase 10 mil assessores contratados diretamente pelos 513 parlamentares para atuar em Brasília ou nos estados.
Apesar da jornada contratual de 40 horas semanais, o único registro formal do cumprimento das obrigações desses funcionários é uma declaração do próprio gabinete. Essa brecha facilita práticas irregulares, como a contratação de funcionários fantasmas —caso ocorrido no próprio gabinete de Motta, onde três assessoras foram apontadas por acumular funções externas ou não trabalhar de fato. Duas delas foram demitidas após questionamentos da imprensa; a terceira, estudante de medicina e filha de aliados políticos, continua no cargo.
O controle mais rígido de ponto eletrônico é exigido apenas para servidores ocupantes de cargos de natureza especial (CNE), ligados à Mesa Diretora, comissões e lideranças partidárias. Já os secretários parlamentares só registram presença com biometria durante sessões noturnas às terças e quartas-feiras, exclusivamente para fins de pagamento de hora extra. Nos demais períodos, não há qualquer controle efetivo de horário.
Cada deputado tem à disposição uma verba de gabinete mensal de R$ 133 mil para contratar entre 5 e 25 secretários parlamentares, com salários que variam de R$ 1.584 a R$ 18.719, além de benefícios como auxílio-alimentação e gratificações. O controle interno das horas é feito por meio de um sistema pouco rigoroso, que considera automaticamente que o servidor cumpriu a jornada se não forem registradas faltas ou atestados médicos.
Nos estados, a fiscalização é inexistente. Muitos parlamentares nem sequer possuem escritórios formais em suas bases eleitorais. Apesar de denúncias recorrentes ao longo dos anos sobre rachadinhas, uso de funcionários para serviços pessoais e contratações por apadrinhamento político, a Câmara nunca implementou mecanismos eficazes de controle de frequência.
O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), relator de um projeto que previa a obrigatoriedade do ponto eletrônico para todos os servidores dos três Poderes, afirmou que grande parte dos assessores contratados atuam como cabos eleitorais e não desempenham funções típicas do Legislativo. O projeto foi aprovado em comissão em 2019, mas está parado desde então.
Mesmo com o discurso de austeridade fiscal e promessas de reforma administrativa, a atual gestão da Câmara não incluiu o tema no debate sobre controle interno de servidores. A Mesa Diretora, presidida por Motta, ainda não discutiu medidas para garantir que os funcionários contratados por gabinetes realmente estejam trabalhando.
No primeiro semestre de 2025, os gastos com secretários parlamentares somaram R$ 539,2 milhões, alta de quase 11% em relação ao mesmo período de 2024. Questionado, Motta declarou que preza pelo cumprimento das regras e que os funcionários de seu gabinete atuam, inclusive de forma remota, dentro das normas estabelecidas pela Casa. A Câmara não se pronunciou oficialmente sobre a ausência de fiscalização.