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Governo prepara isenção bilionária para atrair big techs e viabilizar data centers no Brasil

MP do governo visa equilibrar balança comercial de serviços negativa; especialistas questionam desenho da lei e veem ganhos incertos

O Ministério da Fazenda planeja lançar um regime tributário especial para impulsionar a instalação de data centers no Brasil, com foco em atender à demanda de grandes empresas de tecnologia. A proposta, descrita na minuta da Política Nacional de Data Centers (PNDC), prevê zerar impostos federais incidentes sobre equipamentos utilizados na construção dessas estruturas e isentar tarifas de importação para produtos que não são fabricados no país, como chips avançados da Nvidia, indispensáveis para o desenvolvimento de modelos de inteligência artificial. O projeto é visto como estratégico para posicionar o Brasil na corrida global por infraestrutura digital e deve mobilizar investimentos de até R$ 2 trilhões nos próximos dez anos, segundo estimativas do ministro Fernando Haddad.

O plano, batizado de Regime Especial de Incentivos para Instalação de Data Centers (RE-Data), concede benefícios fiscais estimados em R$ 701 bilhões. A lógica do governo é que o estímulo permitirá reduzir o déficit de processamento de dados do país — atualmente em torno de 60% da carga digital consumida — e estimular a balança comercial de serviços, hoje deficitária. O setor calcula que o Brasil tem potencial para adicionar 10 gigawatts em projetos de data centers na próxima década. Como a construção de infraestrutura para cada gigawatt custa cerca de R$ 50 bilhões, esse movimento representaria R$ 500 bilhões em obras civis e sistemas elétricos, enquanto outros R$ 1,5 trilhão seriam investidos pelas big techs em equipamentos, majoritariamente importados.

Atualmente, a importação de chips de ponta paga até 52,7% de impostos. Somando-se PIS, Cofins e IPI, a carga chega a 46,75%. A medida provisória que implementará o RE-Data prevê isenção completa desses tributos, o que representará renúncia fiscal de R$ 701 bilhões. Parte desse montante não exige compensação, pois o imposto de importação não tem fim arrecadatório. Ainda assim, o gasto tributário líquido é estimado em R$ 401 bilhões. Para o assessor-especial da Fazenda Igor Marchesini, a desoneração antecipa os efeitos esperados da reforma tributária, que prevê mecanismos para evitar a cumulatividade de impostos sobre serviços.

A proposta já passou por análise nos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e aguarda avaliação do Planalto antes de ser enviada ao Congresso. Alterações ainda podem ser feitas, mas a expectativa é que o projeto seja aprovado como parte de um pacote para ampliar a infraestrutura digital do país. A PNDC também prevê contrapartidas ambientais: todos os data centers beneficiados terão de operar com energia renovável e adotar medidas de eficiência hídrica e energética para mitigar impactos.

Apesar do potencial de investimentos, especialistas em política tecnológica e planejamento alertam para riscos de repetir erros de políticas anteriores. O professor Glauco Arbix, do Center for Artificial Intelligence da USP, aponta que medidas semelhantes, como a política de semicondutores de 2007 e a Zona Franca de Manaus, falharam em gerar inovação local, limitando-se a montagem de produtos para exportação. Situação parecida é lembrada pelo professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, ao citar o complexo de alumínio do Norte do país, que provocou impactos ambientais e pouco desenvolvimento regional.

Outro desafio é o consumo energético. Data centers operam em regime contínuo, exigindo suprimento constante. Embora o Brasil tenha excedente de energia renovável em horários de pico solar, à noite o Operador Nacional do Sistema (ONS) precisa acionar termelétricas movidas a gás, carvão e óleo diesel — fontes mais poluentes. Com o crescimento previsto do setor, pode ser necessário expandir a capacidade térmica do país, o que geraria impactos ambientais e custos adicionais. Especialistas como Rodrigo Borges, da Aurora Energy Research, sugerem ajustar a demanda de processamento aos horários de maior oferta de energia renovável, mas reconhecem que esse modelo é difícil de aplicar a operações críticas de big techs.

O modelo atual de grandes data centers no Brasil é concentrado em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), que já oferecem isenção de impostos, mas limitam a operação às exportações de serviços. Estruturas instaladas nesse regime não podem hospedar dados gerados no Brasil, o que significa que, embora atraiam investimentos, não resolvem o déficit interno de processamento. Exemplos desse modelo incluem o data center da Casa dos Ventos, construído para o TikTok no Ceará, e projetos das empresas norte-americanas Optimus Technology Datacenter e RT One, planejados para Sergipe e Maringá.

Parte do governo defendia que a PNDC reservasse parte da capacidade dos data centers para o mercado interno, mas essa exigência não entrou na minuta final. O texto apenas cita o objetivo de reduzir o déficit digital brasileiro. Para viabilizar projetos de inovação ligados à nova política, o governo pretende destinar 2% dos valores importados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), gerido pelo BNDES, para reduzir riscos de financiamento a startups e empresas do setor.

Se aprovada, a medida poderá alterar o perfil do comércio exterior brasileiro, fortalecendo a posição do país como hub de serviços digitais na América Latina. No entanto, especialistas alertam que, sem mecanismos robustos de supervisão e exigências de contrapartidas tecnológicas, o programa corre o risco de repetir políticas passadas que beneficiaram grandes corporações sem gerar desenvolvimento local duradouro.

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