A recuperação gradual da economia argentina e a valorização recente do peso — em parte considerada artificial — têm impulsionado a retomada das exportações brasileiras para o país vizinho. O movimento traz alívio ao setor externo do Brasil, que enfrenta preços mais baixos das commodities e incertezas nas relações comerciais com os Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump ameaça impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Entre janeiro e junho, as vendas do Brasil para a Argentina somaram US$ 9,12 bilhões, avanço de 55,4% em relação ao mesmo período de 2024, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Com esse resultado, a Argentina consolidou a posição de terceiro principal destino das exportações brasileiras, superando a Holanda e ficando atrás apenas de China e Estados Unidos.
A economista Gabriela Faria, da Tendências Consultoria, explica que o perfil da pauta exportadora se mantém estável, com destaque para veículos de passeio, peças automotivas, produtos industriais e máquinas elétricas. A categoria de veículos e tratores lidera o crescimento: alta de 121,8% no primeiro semestre, segundo a Secex. A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) aponta que, no período, o Brasil exportou 264 mil unidades para a Argentina, crescimento de 59,8%, elevando a participação do país vizinho de 34% para 60% no total exportado — o maior patamar desde 2018.
Especialistas atribuem o movimento à valorização do peso, que reduziu a competitividade da indústria argentina, favorecendo as montadoras brasileiras. “Como as fabricantes atuam nos dois países, há uma estratégia de exportar a partir do Brasil para atender o mercado local”, afirma Lia Valls, coordenadora do Indicador de Comércio Exterior do FGV Ibre. Desde a posse de Javier Milei, em dezembro de 2023, a moeda argentina se valorizou 54,8%, enquanto o PIB cresceu 0,8% no primeiro trimestre de 2025 frente ao trimestre anterior, após queda de 1,7% em 2024.
A retomada também foi estimulada pelo fim de barreiras não tarifárias, como licenças de importação e restrições de pagamento, segundo o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral. “Antes, empresas brasileiras esperavam até 12 meses por autorizações do banco central argentino. Hoje, as reclamações caíram drasticamente”, afirma. O novo Regime de Incentivo para Grandes Investimentos (RIGI), que oferece benefícios fiscais e cambiais para atrair capital estrangeiro, tem reforçado o interesse de companhias agrícolas e de mineração em investir no país.
O setor de máquinas também registra desempenho robusto. Dados da Abimaq indicam crescimento de 55,3% nas vendas para a Argentina no primeiro semestre, totalizando US$ 760,2 milhões. “Todos os segmentos apresentaram alta, com exceção do setor de petróleo e energia renovável”, afirma Patricia Gomes, diretora de Mercado Externo da entidade.
Apesar da recuperação, analistas ponderam que o mercado argentino ainda é pequeno em comparação ao americano e não pode substituir integralmente o impacto de eventuais tarifas impostas por Trump. “É um mercado natural por estar no Mercosul, mas a mudança de foco não é simples nem rápida”, diz Gomes. Barral reforça que a concorrência entre Brasil e Argentina em produtos como carnes, grãos e frutas limita a possibilidade de redirecionar grandes volumes de exportações.
Para Livio Ribeiro, da consultoria BRGC, o crescimento recente é mais reflexo da base de comparação baixa de 2024 do que de uma expansão estrutural. “Ano passado foi catastrófico para a economia argentina; agora, com o sistema de preços funcionando, há uma recuperação mecânica”, avalia. Mesmo com o avanço, as exportações para o país vizinho ainda estão distantes do pico de 2011, quando atingiram US$ 22,7 bilhões.
Ainda assim, a melhora do cenário argentino oferece um alívio estratégico para a indústria brasileira, especialmente em um momento de tensão comercial com os Estados Unidos e desaceleração global do comércio de commodities.