O mercado de crédito brasileiro registrou, pela primeira vez, uma mudança histórica: o estoque de títulos privados emitidos por empresas superou o volume de empréstimos bancários concedidos pelo sistema financeiro.
Segundo dados do Banco Central compilados pela Rio Bravo Investimentos, em junho de 2025 — último mês com números disponíveis — o crédito bancário às companhias somava R$ 1,082 trilhão, equivalente a 16,6% do PIB. Já o volume de títulos privados alcançou R$ 1,087 trilhão, ou 16,7% do PIB. Nessa categoria, entram debêntures corporativas, títulos de securitização, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
A diferença numérica é pequena, mas o efeito simbólico é relevante: consolida a tendência de desintermediação bancária no financiamento empresarial. Em janeiro de 2013, quando o BC iniciou a consolidação dessas estatísticas, os empréstimos bancários representavam 23,2% do PIB, enquanto o mercado de títulos privados respondia por apenas 5,4%.
Para Evandro Buccini, sócio e diretor da Rio Bravo, o avanço reflete um movimento consistente. Ele destaca que, durante a pandemia, os bancos restringiram a concessão de crédito, enquanto o mercado de capitais, beneficiado pelos juros baixos, acelerou as emissões. Hoje, com a Selic em 15% ao ano — patamar restritivo para novos empréstimos —, ainda existe espaço para o crédito privado, impulsionado por uma economia mais aquecida e por mudanças estruturais no acesso ao mercado.
A popularização de plataformas de investimento facilitou o ingresso de pessoas físicas e institucionais nesse tipo de operação, aumentando a concorrência e a disponibilidade de recursos. Paralelamente, restrições regulatórias limitam o nível de endividamento dos bancos, incentivando a transferência de dívidas para o mercado por meio de operações estruturadas. Nesse modelo, os bancos antecipam o recebimento, os devedores ganham mais prazo e o risco é pulverizado entre investidores.
Especialistas alertam, porém, que o investidor deve avaliar atentamente as características de cada papel. Rentabilidades muito elevadas costumam significar riscos mais altos e menor liquidez, o que pode dificultar a venda em momentos de crise.
Entre os principais instrumentos do mercado, estão as debêntures, títulos de dívida corporativa que podem ter rentabilidade prefixada, pós-fixada ou atrelada à inflação; os CRIs, lastreados em créditos do setor imobiliário; os CRAs, vinculados a operações do agronegócio; e os FIDCs, que compram e administram recebíveis diversos, como duplicatas e contratos de financiamento. Alguns deles, como CRI e CRA, são isentos de imposto de renda para pessoas físicas, o que aumenta a atratividade.
Essa mudança no perfil do crédito empresarial indica que o mercado de capitais vem ganhando protagonismo como fonte de financiamento no Brasil. E, embora os bancos continuem relevantes, a tendência é que as empresas dependam cada vez mais das emissões de títulos privados para viabilizar seus projetos e expandir operações.