O governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu encaminhar ao Congresso um projeto de lei complementar para excluir R$ 9,5 bilhões do cálculo da meta fiscal de 2025 e 2026, referentes a parte do pacote de apoio a empresas afetadas pelo tarifaço imposto pelos Estados Unidos e a medidas de incentivo às exportações. A decisão, que já mobiliza debates no meio político e econômico, é vista por especialistas como um movimento que enfraquece um dos principais mecanismos de controle de despesas do país e compromete a transparência na execução orçamentária.
O pacote, anunciado pelo Ministério da Fazenda, prevê a liberação de R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia à Exportação (FGE) para uma linha de crédito destinada não apenas a empresas atingidas pelas tarifas americanas, mas também a companhias que desejam diversificar mercados. Esses recursos sairão do superávit financeiro do fundo, hoje pouco utilizado, e, por isso, não terão impacto direto sobre o cumprimento da meta fiscal. Uma parcela significativa do FGE costuma ser destinada a indenizar o BNDES por empréstimos concedidos no passado a países como Venezuela e Cuba, cujo pagamento é incerto.
Além desses R$ 30 bilhões, o governo anunciou aportes de R$ 4,5 bilhões em três fundos garantidores: R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia de Operações (FGO), R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor de Operações de Comércio Exterior (FGCE) e R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI). Esses valores sairão do Orçamento da União, mas serão liberados por meio de crédito extraordinário, ficando de fora não apenas da meta fiscal, mas também do limite de despesas estabelecido pelo novo arcabouço fiscal.
O pacote também amplia o Reintegra, programa que devolve créditos tributários a exportadores que pagam impostos sobre produtos importados. Na prática, o programa permite que essas empresas usem o crédito para abater tributos devidos ou solicitem ressarcimento do governo, o que reduz a arrecadação ou gera despesas diretas. O custo dessa ampliação foi estimado em até R$ 5 bilhões, e, assim como os aportes, não será considerado no cálculo da meta fiscal. Economistas apontam que a medida cria uma distorção: na contabilidade oficial, será como se essas receitas tivessem entrado nos cofres públicos, mesmo que não tenham se concretizado.
Para 2025, a meta fiscal do governo é zerar o déficit primário, com tolerância de até R$ 31 bilhões negativos. Já para 2026, o objetivo é alcançar um superávit primário de R$ 34,3 bilhões, com tolerância de déficit zero. Na prática, porém, o próprio Executivo já admite que em 2025 operará no limite do déficit permitido, e a exclusão dos R$ 9,5 bilhões da conta reduz a necessidade de cortes em outras despesas para atingir o resultado.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, defende que os valores deveriam ser incluídos no cálculo da meta e que o governo deveria acionar a banda de tolerância de 0,25% do PIB para absorver esse impacto, ajustando outras áreas do orçamento. Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e hoje head de macroeconomia do ASA, criticou o movimento e comparou a manobra a um “pedido de reconsideração” do Congresso para reverter decisão recente que proibia esse tipo de exclusão. Ele lembra que, durante a tramitação do arcabouço fiscal, o Parlamento havia derrubado um veto presidencial para impedir deduções dessa natureza.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia afirmado, antes do anúncio, que não retiraria esses gastos da meta fiscal. A mudança de posição, segundo o secretário executivo da pasta, Dario Durigan, ocorreu após a inclusão da ampliação do Reintegra no pacote, medida que não estava prevista inicialmente e que terá impacto estimado de até R$ 5 bilhões em renúncia fiscal.
Para Ítalo Franca, economista de política fiscal do Santander, o efeito sobre o resultado das contas públicas é pequeno, e a meta segue alcançável, embora dependa de receitas extraordinárias, como as provenientes de leilões de petróleo. Já Renan Martins, da 4intelligence, afirma que, embora o impacto numérico seja limitado, a exclusão de gastos recorrentes do cálculo da meta fiscal é preocupante, pois enfraquece o arcabouço e abre precedente para flexibilizações futuras.
O texto da proposta ainda precisa ser analisado e aprovado pelo Congresso Nacional. Até lá, seguirá alimentando o embate entre a necessidade de estimular a economia e a obrigação de manter a responsabilidade fiscal, em um cenário em que o governo já trabalha no limite das regras estabelecidas para equilibrar receitas e despesas.