O Ministério da Fazenda intensificou as negociações com o Congresso para alterar as regras de direcionamento dos recursos captados pelos bancos por meio das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). A proposta em discussão prevê elevar de 60% para 75% a fatia que precisa, obrigatoriamente, ser destinada ao crédito rural ou à compra de títulos ligados ao setor, como Cédulas de Produto Rural (CPR) e Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA). A medida, se implementada, poderia ampliar em cerca de 25% o volume de crédito rural disponível, segundo estimativas preliminares.
Essa iniciativa surge como parte da estratégia do governo para reduzir resistências da bancada ruralista ao plano de tributar em 5% o rendimento das LCAs, hoje isentas de Imposto de Renda. A tributação foi incluída em medida provisória que busca recompor parte das perdas de arrecadação com a limitação do aumento do IOF, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O setor, no entanto, vê com cautela a mudança. Parlamentares ligados ao agronegócio defendem preservar a atratividade dos papéis, temendo que o aumento da carga tributária desestimule emissões futuras e acabe por reduzir o crédito disponível no campo.
A Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) apresentou à Fazenda uma contraproposta que combina o aumento do direcionamento com a exclusão de outras modalidades da tributação. A ideia é que apenas as LCAs sejam alvo do novo imposto, preservando instrumentos como Fiagros, Fundos Imobiliários e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). No primeiro semestre, o mercado registrava R$ 588 bilhões aplicados em LCAs, segundo a B3, consolidando o título como um dos principais mecanismos de funding do setor.
Entre os técnicos, no entanto, há divergências sobre os efeitos práticos da proposta. Para Rogério Boueri, ex-subsecretário de política agrícola e consultor da Sapeba Agronegócios Ambientais, a medida pode ser positiva no curto prazo, já que a perspectiva de tributação em 2025 tem incentivado uma corrida de emissões neste ano. Ele estima que, apenas em 2025, o aumento do direcionamento poderia adicionar R$ 20 bilhões ao crédito rural. Contudo, alerta que, no ano seguinte, com a tributação já em vigor, a emissão de LCAs deve cair, e uma exigência mais alta pode desestimular ainda mais os bancos, produzindo efeito contrário ao esperado.
Outro ponto de debate é o destino dos recursos. Enquanto lideranças no Congresso defendem ampliar as possibilidades de aplicação para projetos de infraestrutura rural — como transporte, saneamento, conectividade no campo e energia renovável —, o governo teme um desvio de finalidade, já que essas áreas demandam financiamentos de longo prazo, enquanto as LCAs possuem prazos médios de apenas seis meses, após decisão recente do Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse descasamento poderia gerar dificuldades adicionais para os bancos e aumentar a competição por recursos que, originalmente, deveriam fortalecer as atividades agropecuárias tradicionais.
Para Boueri, há um risco evidente de pulverização dos recursos. “O crédito rural é como um clube: quanto mais sócios entram, maior é a disputa pela mesma fatia de recursos”, adverte. Já parlamentares como Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) reforçam que o objetivo central deve ser preservar a atratividade dos papéis. “Vamos trabalhar para fortalecer os títulos que têm sido uma formidável alternativa de fundos para o setor. Manter essa atratividade é fundamental para garantir funding ao agro”, afirmou.