O programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, lançado em março pelo Ministério do Trabalho e Emprego, enfrenta dificuldades operacionais que têm elevado a inadimplência e frustrado as expectativas de queda nos juros. Dados da Dataprev revelam que, de 2,1 milhões de contratos analisados, apenas 84,19% das primeiras parcelas foram pagas. Isso significa que mais de 15% dos tomadores estão inadimplentes — índice muito acima do esperado para uma modalidade que deveria oferecer maior segurança aos bancos.
A principal causa desse calote está nos problemas técnicos do sistema. Embora o crédito seja liberado ao trabalhador logo após a assinatura do contrato, falhas na integração entre a Dataprev, as empresas empregadoras e o eSocial acabam impedindo que os bancos recebam as parcelas. Quando considerados apenas os contratos devidamente escriturados no sistema, a inadimplência cai para 3,7%. Ainda assim, a instabilidade tecnológica e a falta de padronização no lançamento dos dados pelas empresas têm prejudicado o funcionamento da plataforma.
Na noite de quarta-feira (20), os bancos decidiram suspender temporariamente a contratação de novos empréstimos até que a Dataprev realize ajustes técnicos e conclua a migração de 4 milhões de contratos antigos para a nova base. Para a Febraban e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), a surpresa negativa foi o elevado número de contratos não escriturados, como se o crédito tivesse sido liberado, mas não fosse lançado na folha de pagamento. Além disso, há problemas na conciliação de valores entre o eSocial e as instituições financeiras, o que gera atrasos e inconsistências.
Com esse cenário, a expectativa de juros mais baixos foi frustrada. As taxas do novo consignado estavam em 3,58% ao mês em 13 de agosto, acima dos 2,9% praticados em fevereiro, antes da implementação do programa. Grandes bancos como Itaú, Caixa, Bradesco, Santander e Banco do Brasil mantêm juros mais competitivos, mas também registraram aumento — de 2,66% em julho para 2,75% em agosto. Já instituições menores, que concentram 52% dos contratos, aplicam taxas médias de 4,15% ao mês, refletindo o risco maior dos tomadores.
Até agora, foram firmados 5,6 milhões de contratos no âmbito do Crédito do Trabalhador, totalizando R$ 27,8 bilhões liberados. O prazo médio das operações é de 19 meses, e o valor médio dos empréstimos chega a R$ 4.937. O programa previa o uso de 10% do FGTS e das verbas rescisórias como garantias, mas essa regra ainda não foi regulamentada. Também seguem pendentes a portabilidade do consignado, prevista para entrar em vigor em 25 de agosto, e a possibilidade de migração do contrato em caso de troca de emprego.
Apesar das falhas iniciais e da disparada da inadimplência, bancos e especialistas ainda defendem a relevância do produto como alternativa mais saudável em comparação a linhas de crédito caras, como o rotativo do cartão, que cobra mais de 15% ao mês. Para a Febraban, o ajuste da tecnologia e maior orientação às empresas podem estabilizar o sistema e permitir que o novo consignado cumpra seu papel de ampliar a concorrência e reduzir custos de crédito no país.