O mercado acionário brasileiro vive um dos períodos mais desafiadores das últimas décadas, com queda no número de empresas listadas e um longo jejum de ofertas iniciais de ações (IPOs). Em apenas um ano, a B3 perdeu 14 companhias, passando de 439 para 425, e enfrenta um cenário em que a reabertura da janela para novas estreias na Bolsa só deve ocorrer a partir de 2027, depois das eleições presidenciais e da definição da política econômica do próximo governo.
O movimento de encolhimento ganhou novo impulso nesta segunda-feira (13), quando Gol e Banco Pan anunciaram planos de retirada da Bolsa. Elas se somam a um grupo crescente de empresas que encerraram sua presença no mercado acionário brasileiro nos últimos anos. Desde a última rodada de IPOs, há quatro anos, foram registradas 42 ofertas públicas de aquisição (OPAs) na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), somando R$ 17 bilhões — a maioria bem-sucedida. Entre as companhias que deixaram a B3 estão nomes relevantes como Cielo, empresas do grupo Alfa, Kora Saúde, Eletromídia, Wilson Sons e Serena Energia.
A redução do número de empresas listadas tem múltiplas causas. O ambiente macroeconômico desafiador, com juros altos e volatilidade política, tem desestimulado investidores e atraído recursos para o mercado de crédito privado, mais rentável e previsível no atual contexto. Além disso, a desvalorização do real frente ao dólar incentivou empresas estrangeiras a recomprar participações em subsidiárias brasileiras. Em muitos casos, os próprios controladores ou as companhias têm implementado programas de recompra de ações: foram 60 em 2023 e 100 em 2024.
Esse movimento de fechamento de capital tem sido acompanhado por fusões e incorporações. Em alguns casos, como no de Soma e Arezzo, a união resultou na permanência de apenas uma companhia na Bolsa. Já o Carrefour deixou o mercado acionário por meio da incorporação da operação brasileira pela matriz francesa. Outras empresas podem seguir o mesmo caminho, como a Neoenergia, que estuda fechamento de capital após a Iberdrola adquirir a participação da Previ, e a Desktop, que pode sair da B3 caso a venda para a Claro seja concretizada.
Para especialistas, o cenário de incerteza adia a retomada do ciclo de IPOs. Hans Lin, corresponsável pela área de banco de investimento do Bank of America no Brasil, afirma que a expectativa é que empresas brasileiras busquem primeiro o mercado internacional antes de retornar à B3. Segundo ele, uma nova onda de ofertas deve começar com setores defensivos, como infraestrutura, e só se consolidar depois de 2026. “O ritmo vai depender da entrada de capital estrangeiro e do ciclo de queda dos juros. O resultado das eleições e o ambiente fiscal também serão determinantes”, avalia.
Cristian Keleti, CEO da gestora AlphaKey, destacou em evento do Banco Safra que a recompra de ações por empresas estrangeiras e controladores mostra perda de valor e de liquidez no mercado acionário brasileiro, o que pode reduzir o apetite de investidores quando a janela de ofertas voltar a se abrir. Já Daniel Wainstein, sócio da Sêneca Evercore, considera que o hiato de quatro anos sem IPOs não surpreende. Segundo ele, janelas de oportunidade no Brasil costumam surgir a cada quatro ou cinco anos e não devem ser significativas em 2026, ano que deve repetir o fraco desempenho atual.
Com a retração no mercado de ações, a B3 tem buscado diversificar suas fontes de receita e reduzir a dependência das operações com papéis, que são mais sensíveis ao humor dos investidores. A Bolsa tem investido em segmentos mais estáveis, como fundos de índice (ETFs), derivativos de criptoativos e aquisição de empresas de tecnologia e dados, setores com grande potencial de crescimento impulsionado pela inteligência artificial.
Apesar das perdas no segmento de ações, a B3 mantém vantagens estruturais no mercado financeiro brasileiro, como sua atuação verticalizada em serviços de clearing, registro de ativos, alienação de garantias e depósito de renda fixa. Segundo Pedro Carvalho, chefe de análise de instituições financeiras não bancárias da Fitch Ratings, essas características garantem estabilidade operacional e sustentam o rating da B3 acima do soberano do Brasil, no mesmo nível de bancos como Itaú e Bradesco.