A proposta de implantar a tarifa zero no transporte público em todo o Brasil pode ter um custo bilionário para os cofres públicos e ainda carece de um estudo técnico detalhado. Entidades ligadas ao setor de transporte e às prefeituras estimam que o gasto anual variaria entre R$ 90 bilhões e R$ 200 bilhões, dependendo do cenário e do aumento da demanda após a adoção da gratuidade.
O tema ganhou força política com o interesse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT em incluir o programa como uma das principais bandeiras na campanha pela reeleição em 2026. Apesar do apelo social, especialistas alertam para os desafios fiscais, operacionais e regulatórios de um projeto dessa dimensão.
O diretor de gestão da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho dos Santos, estima que a implementação nacional custaria cerca de R$ 90 bilhões anuais, considerando o custo atual do sistema, o investimento adicional necessário para atender à nova demanda e o valor já subsidiado pelos governos. “Um programa desse porte precisa de planejamento. Envolve aumento de frota, ajustes em contratos e fonte estável de financiamento. Não é possível improvisar”, afirmou.
Segundo Bicalho, nas grandes regiões metropolitanas o desafio é ainda maior, por causa da integração de modais como metrôs, trens e barcas. “Quando o passageiro mora em uma cidade e trabalha em outra, o sistema se torna mais complexo. É preciso prever o impacto sobre a demanda e evitar colapsos operacionais”, explicou.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apresenta um cenário mais pessimista. Para o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, o custo total poderia alcançar R$ 200 bilhões por ano, considerando o aumento expressivo de passageiros. Ele critica o que chama de caráter precipitado e político da proposta. “É estarrecedor discutir algo dessa magnitude sem saber quem vai pagar a conta. As prefeituras não têm recursos para bancar uma gratuidade total”, afirmou.
Ziulkoski teme que as prefeituras sejam pressionadas a aderir ao programa e depois fiquem sem apoio federal. “Historicamente, a União promete subsídios e depois se afasta, deixando os municípios com a responsabilidade e a insatisfação da população”, disse.
No Distrito Federal, o secretário de Transporte e Mobilidade, Zeno José Andrade Gonçalves, compartilha das mesmas preocupações. Ele lembra que o DF é a unidade da federação com maior programa de subsídios ao transporte público e que, mesmo assim, o sistema custa R$ 2,9 bilhões por ano, sendo R$ 2 bilhões pagos pelo próprio governo local. “Se o governo federal bancasse o restante, a tarifa seria gratuita, mas a demanda dobraria, e o custo poderia subir para R$ 5,8 bilhões”, alertou.
Apesar dos desafios, Gonçalves reconhece que o impacto social da tarifa zero é positivo. No DF, onde há gratuidade aos domingos, o transporte passou a atrair novos usuários, gerando mais movimento no comércio e em áreas de lazer. “Os benefícios existem, mas o custo é alto. É preciso planejamento e responsabilidade fiscal”, disse.
Para Gilberto Perre, secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o debate é importante, mas deve ser gradual. Ele cita exemplos da Europa, como a Alemanha, onde o bilhete mensal de €50 foi reduzido para €9 durante a pandemia, provocando superlotação nos transportes. “Nem os alemães estavam preparados para o aumento de demanda. É um modelo que exige estrutura e tempo para ser implementado com sucesso”, afirmou.
O consenso entre prefeitos e especialistas é que a tarifa zero tem apelo popular, mas não pode ser lançada sem um desenho financeiro claro. A medida exigiria uma combinação de subsídios federais e municipais, ampliação de infraestrutura e revisão de contratos. Sem isso, alertam, o sonho da gratuidade pode virar um colapso nos transportes urbanos.










