O Grupo Mateus enfrenta um período de pressão após revelar ajustes relevantes em seu balanço de 2024, envolvendo uma revisão de R$ 1,1 bilhão em estoques decorrente de erros no cálculo do custo médio das mercadorias vendidas. A correção reduziu o valor originalmente registrado de R$ 6 bilhões para R$ 4,9 bilhões e provocou queda de quase R$ 695 milhões no patrimônio líquido da companhia, reacendendo discussões sobre a qualidade de seus controles internos, mais de cinco anos após a abertura de capital.
As falhas reveladas agora não são inéditas. Documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários mostram que a auditoria responsável pela empresa no período pós-IPO, a Grant Thornton, havia apontado em 2021 a existência de 42 deficiências moderadas de controle, incluindo dificuldades no acompanhamento do custo histórico dos estoques. O item aparecia como o principal entre os pontos levantados pela auditoria. Nos anos seguintes, porém, essas deficiências deixaram de ser mencionadas nos formulários anuais, e a companhia limitou-se a afirmar que os auditores não tinham identificado falhas significativas.
A transição da auditoria para a Forvis Mazars, realizada em 2025 por exigência de rotatividade, trouxe a descoberta das inconsistências, que foram comunicadas apenas nas demonstrações trimestrais mais recentes, sem detalhamento público sobre o período exato a que os ajustes se referem. O tema provocou forte reação do mercado. Após a divulgação, as ações acumularam queda de quase 15% em três pregões, o equivalente a R$ 2 bilhões em valor de mercado, em meio à percepção de que ainda não há clareza suficiente sobre os impactos futuros e sobre a origem dos erros.
A falta de detalhamento também gerou dúvidas entre analistas e gestores, que cobram explicações adicionais sobre os procedimentos adotados e sobre a possibilidade de novos ajustes. Na teleconferência realizada na sexta-feira, a diretoria informou que o problema se refere a exercícios anteriores, mas não especificou quais, e destacou que o ajuste contábil não tem efeito imediato sobre caixa. Parte do mercado, porém, avalia que a recomposição dos estoques pode demandar maior consumo de caixa no futuro, caso a companhia precise repor volumes que acreditava possuir.
Além do aspecto contábil, a revisão envolve pontos operacionais ligados à gestão de inventários. Fontes do setor afirmam que a expansão acelerada do grupo gerou lojas que permaneceram longos períodos sem inventário completo, o que dificultou a identificação de perdas, erros de registro e desvios. A própria empresa reconheceu investimentos adicionais para ampliar a frequência de inventários, que antes eram realizados a cada quatro ou seis meses e, neste ano, passaram a ser mensais. A companhia também identificou casos de itens de alto valor registrados com códigos de produtos mais baratos no momento da venda e episódios de mercadorias desviadas na área de recebimento, problemas que, segundo a empresa, motivaram investimentos em tecnologia e reforço de equipes.
A empresa informou ainda que implantará o sistema Kardex para aprimorar o rastreamento de entradas e saídas de mercadorias, além de ter aprovado orçamento adicional para ampliar equipes dedicadas à conferência de estoques. Apesar disso, analistas ressaltam que ainda não está claro se há conexão entre as falhas operacionais e o ajuste contábil, já que a empresa afirma que trata de temas distintos.
Outro aspecto em discussão é a possibilidade de que o erro tenha origem em cálculos relacionados aos impostos de entrada de mercadorias, cuja complexidade varia conforme o regime de cada estado, ou na contabilização de bonificações dadas pela indústria ao varejo, fator que historicamente gerou dificuldades para outras grandes redes. A direção não esclareceu qual dos mecanismos teria provocado o ajuste.
O caso se soma a outros episódios recentes que reforçaram a atenção do mercado à governança de varejistas de grande porte. Analistas ouvidos avaliam que a falta de visibilidade sobre os controles internos pode manter a volatilidade dos papéis até que a companhia ofereça informações mais detalhadas sobre a extensão do problema e sobre as medidas para evitar recorrência.









