O embate entre o Congresso Nacional e o Executivo Federal está aprofundando o desequilíbrio fiscal do país. A disputa, que atingiu seu ápice com a derrubada do decreto presidencial que elevava a alíquota do IOF, expôs a dificuldade do governo em conter despesas diante de um Legislativo que, ao mesmo tempo em que impede medidas de aumento de arrecadação, promove iniciativas que ampliam os gastos públicos. Segundo levantamento da Tendências Consultoria, solicitado pelo jornal O Globo, o impacto fiscal das medidas recentes aprovadas pelo Congresso já ultrapassa R$ 100 bilhões em 2025 — e deve chegar a R$ 123,25 bilhões em 2026.
Entre as ações de maior peso está a sanção do programa Propag, que praticamente elimina os juros das dívidas dos estados com a União, mantendo apenas a correção pela inflação. A medida, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), terá impacto estimado de R$ 20 bilhões a partir do próximo ano. Também entram nessa conta o aumento de 18 cadeiras na Câmara dos Deputados — que devem custar R$ 165 milhões anuais — e o crescimento do volume de emendas parlamentares, que saltaram de R$ 8,6 bilhões em 2014 para R$ 62 bilhões em 2025.
A crítica à postura do Legislativo tem ganhado eco entre economistas e analistas políticos. Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, lembra que o Congresso também travou o debate sobre a redução dos chamados supersalários e promoveu o aumento de despesas permanentes, ao mesmo tempo em que o governo, em 2023, ampliou seus próprios gastos com a PEC da Transição, que liberou R$ 200 bilhões.
Para o economista Bráulio Borges, do FGV/Ibre, a responsabilidade fiscal precisa ser compartilhada. Ele propõe, por exemplo, a redução das emendas parlamentares para R$ 10 bilhões, patamar mais alinhado à prática internacional. Borges também lembra que o Congresso aprovou, em junho, um pacote de “jabutis” — dispositivos sem relação direta com o tema principal do projeto — no setor elétrico, com impacto superior a R$ 190 bilhões, repassados diretamente aos consumidores de energia.
Outras medidas aprovadas pelo Legislativo e que ampliam a renúncia fiscal incluem a manutenção do Perse (programa de apoio ao setor de eventos), estimado em mais de R$ 15 bilhões, e a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores, com perda de arrecadação superior a R$ 20 bilhões. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha exigido uma compensação, o Congresso apontou apenas R$ 9 bilhões em receitas não recorrentes para cobrir esse rombo.
Além disso, o Congresso aumentou gradualmente a participação da União no Fundeb de 10% para 21%, com acréscimo de dois pontos percentuais por ano — um impacto estimado de R$ 6 bilhões adicionais anualmente. No Benefício de Prestação Continuada (BPC), a tentativa do Executivo de restringir o acesso a pessoas com deficiências mais graves foi rejeitada. Segundo Borges, apenas essa flexibilização elevou os custos do programa em até R$ 30 bilhões ao ano, considerando que a despesa atual gira em torno de R$ 121 bilhões, frente aos R$ 90 bilhões a R$ 95 bilhões que seriam esperados sob as regras anteriores.
No campo tributário, novas propostas do Congresso também preocupam. Um exemplo é o projeto apresentado pelo PP que altera a proposta original do Executivo sobre a faixa de isenção do Imposto de Renda. A nova versão manteria a isenção até R$ 5 mil, mas retardaria a entrada da alíquota mínima — que começaria a incidir apenas a partir de rendimentos mensais de R$ 250 mil, ao invés dos R$ 50 mil propostos pelo governo. Segundo Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds e pesquisador do Made-USP, isso criaria uma renúncia fiscal adicional de R$ 38 bilhões.
Na visão do cientista político Carlos Melo, do Insper, o Congresso assumiu um papel autônomo diante de um Executivo fragilizado. Ele argumenta que, com o aumento de recursos para emendas, o fundo partidário (que saltou para R$ 1,368 bilhão) e o fundo eleitoral (de R$ 5 bilhões em 2024), os parlamentares “já não dependem do governo” e atuam como “vereadores federais”, com alto grau de independência e foco nos próprios interesses eleitorais.
Essa postura reflete, segundo Ricardo Ribeiro, analista da LCA 4Intelligence, uma estratégia voltada para as eleições de 2026. O chamado “Centrão” — bloco político com influência decisiva no Congresso — estaria se reposicionando, garantindo gastos populares e ampliando benefícios para estados e setores econômicos, mesmo que isso comprometa o equilíbrio fiscal no médio e longo prazo.
O resultado desse cenário é um aumento expressivo da rigidez orçamentária, com redução do espaço para investimentos e crescente pressão sobre a equipe econômica, que já enfrenta dificuldades para alcançar metas fiscais. Sem medidas de contenção ou reequilíbrio, o risco de um novo ciclo de insustentabilidade fiscal volta ao centro das preocupações — com efeitos potenciais sobre juros, inflação e confiança dos investidores.