Quase três décadas após a reforma que eliminou a cobrança de imposto sobre lucros e dividendos, um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), encomendado por empresas de capital aberto, aponta que a medida teve efeitos duradouros e benéficos para o mercado brasileiro. Segundo a pesquisa, a isenção introduzida em 1996 elevou o valor de mercado das companhias listadas, incentivou o aumento na distribuição de lucros e manteve estáveis os níveis de reinvestimento, contrariando o argumento de que o benefício poderia prejudicar a expansão das empresas.
O pesquisador Joelson Sampaio, autor do levantamento, destacou que a retirada da tributação reduziu a penalidade fiscal sobre os acionistas, tornando o ambiente acionário mais atrativo e impulsionando a valorização das empresas. Outro efeito observado foi o crescimento expressivo na distribuição de dividendos, sem que houvesse redução nos recursos destinados a investimentos. “Em outras palavras, a maior distribuição não veio às custas de menor reinvestimento. Isso sugere que a medida não comprometeu o crescimento futuro das firmas”, conclui o estudo. Para os investidores estrangeiros, a isenção funcionou ainda como um sinal de segurança e rentabilidade, ampliando os fluxos de investimento direto acima do esperado.
O cenário, no entanto, pode mudar em breve. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende retomar a tributação como forma de custear a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física até R$ 5.000. A proposta em tramitação na Câmara estabelece a cobrança de 10% de imposto na fonte sobre dividendos pagos acima de R$ 50 mil, além de incidir também sobre estrangeiros e não residentes. A estimativa oficial é arrecadar R$ 8,9 bilhões já em 2026 com a medida.
A ideia, porém, tem gerado forte reação no setor produtivo. A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto), que representa grandes empresas como JBS, Ambev e Alpargatas, tem alertado que a tributação sobre estrangeiros pode desestimular a entrada de capital e não encontra proteção adequada nos tratados internacionais, que variam de país para país. Companhias e entidades empresariais pressionam para que ao menos essa parte do texto seja retirada do projeto.
Especialistas também veem riscos. Gustavo Carmona, líder de Serviços Tributários e de Transações Internacionais da EY Brasil, avalia que o modelo proposto encarece o custo do capital no país. “Quando uma empresa decide onde investir, olha para a alíquota de 34% do IRPJ e da CSLL, além de custos como os trabalhistas. Se adicionarmos 10% na fonte para não residentes, o retorno esperado do investimento diminui, tornando o Brasil menos atraente”, afirmou.
Além disso, há críticas técnicas. Um relatório da PwC classifica a tributação de dividendos de estrangeiros como um “flagrante desalinho” com os padrões da OCDE, apontando que o projeto do governo não distingue corretamente os diferentes regimes de apuração, como lucro real, presumido e simples. O documento alerta que o modelo pode penalizar de forma desproporcional a indústria e companhias que operam pelo lucro real, encarecendo o investimento produtivo.
O debate também envolve o modelo de imposto mínimo para altas rendas, previsto no texto relatado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Para o tributarista Gustavo Brigagão, a proposta resgata uma forma de bitributação que havia sido eliminada em 1995, ao combinar a carga recolhida por pessoas jurídicas e físicas. “Isso torna o sistema ainda mais complexo e desestimula o investimento”, afirma.
Enquanto o governo pressiona para votar a proposta até o fim do ano, o clima político adiciona incertezas. Os trabalhos legislativos, que deveriam ter retomado a discussão na semana passada, foram praticamente paralisados após a rebelião da base bolsonarista que bloqueou o plenário da Câmara por quase 30 horas. A expectativa agora é que as grandes companhias concentrem seus esforços em tentar alterar pontos do texto durante a votação em plenário, com base nos estudos já apresentados ao Congresso.