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“Déficits gêmeos” voltam a preocupar e expõem fragilidade fiscal do Brasil

Brasil enfrenta déficits gêmeos em níveis elevados, com dívida crescente, déficit externo em alta e risco de repetição de erros do passado

A pouco mais de um ano das eleições presidenciais de 2026, o Brasil se vê novamente diante de um cenário de desequilíbrios macroeconômicos. O país acumula os chamados “déficits gêmeos” — fiscal e externo — em patamares elevados, situação que, embora guarde diferenças, remete ao quadro crítico que antecedeu a crise no segundo mandato de Dilma Rousseff.

O déficit nominal, que contabiliza gastos do setor público incluindo o pagamento de juros da dívida, atingiu 7,12% do PIB do governo central nos 12 meses encerrados em julho, e deve chegar a 8,5% quando considerados União, estados e municípios. Desse total, cerca de 8 pontos percentuais correspondem apenas a juros. O peso dos juros é resultado direto da Selic em 15% ao ano, mantida em nível elevado para tentar conter a inflação após mais de dois anos de forte expansão fiscal.

Esse esforço, no entanto, não tem evitado o rápido crescimento da dívida pública bruta, que alcançou 77,5% do PIB em julho, alta de seis pontos em pouco mais de dois anos e meio. A deterioração das contas fiscais se agrava pela ausência de superávits primários consistentes, diferentemente do que ocorreu nos dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.

No setor externo, o déficit em conta corrente saltou de 1,4% para 3,5% do PIB em um ano. A piora decorre da perda de fôlego da balança comercial e da alta nas saídas líquidas de serviços e rendas, como remessas de lucros e dividendos. O quadro é preocupante, ainda que o fluxo de investimento estrangeiro direto siga suficiente para financiar o rombo.

Especialistas alertam para os riscos de médio prazo. Samuel Pessôa, do Ibre-FGV, observa que o desequilíbrio atual “não é tão diferente” do fim da era Dilma, mas com uma diferença crucial: agora a Selic não está artificialmente represada e os preços administrados, como combustíveis e energia, não são controlados. Mesmo assim, ele avalia que, diante da elevada produção de petróleo, o Brasil “não deveria ter esse déficit”. Para ele, algum alívio pode vir com cortes de juros e a desaceleração da economia, mas o problema estrutural permanecerá até ser enfrentado em 2027.

Ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga vê interação perigosa entre os dois déficits, que acabam pressionando os juros e desestimulando o investimento privado — o chamado crowding out. Ele lembra que, enquanto o gasto público subiu de 25% para 34% do PIB nas últimas décadas, o investimento estatal encolheu de 5% para menos de 2%. “A economia está mais aquecida do que o normal, a inflação demora a ceder e o juro é o sintoma mais grave do paciente”, resume.

Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, reforça a preocupação com a baixa taxa de investimento no país, em torno de 17% do PIB, muito abaixo da média de 35% observada em economias asiáticas. Para ele, o “calcanhar de Aquiles” brasileiro é a questão fiscal, responsável pelo avanço veloz da dívida pública. Já o déficit externo, embora crescente, ainda é considerado administrável por estar financiado pelo capital estrangeiro.

Na mesma linha, Livio Ribeiro, da consultoria BRCG, avalia que o maior risco é fiscal e que o governo evita um enfrentamento direto ao problema. Ele teme que o debate siga “interditado”, enquanto prevalecem soluções heterodoxas, com a possibilidade de novos estímulos fiscais às vésperas da eleição de 2026.

Com a economia pressionada por juros elevados, inflação persistente e déficits crescentes, a percepção dos analistas é de que o Brasil repete velhos erros. O desafio, segundo eles, será evitar que a política fiscal volte a acelerar gastos em ano eleitoral, comprometendo ainda mais a credibilidade e a estabilidade econômica do país.

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