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Supersafra deve garantir novo recorde mas margens apertadas elevam risco financeiro no agronegócio

Apesar de previsão de recorde na safra 2025/2026, produtores rurais enfrentam margens comprimidas por custos altos, juros elevados e tarifaço dos EUA

O Brasil inicia a safra 2025/2026 com perspectivas positivas no campo da produção, mas com um cenário preocupante do ponto de vista financeiro. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta alta de 1% na colheita de grãos, o que deve consolidar um novo recorde para o agronegócio nacional. No entanto, produtores rurais relatam que o entusiasmo com mais uma supersafra é contido pela redução acentuada das margens de lucro, situação que já vinha se agravando desde a temporada anterior.

A combinação de preços internacionais em queda, custos elevados com insumos e defensivos, além de juros ainda altos, tem pressionado a rentabilidade no campo. Marion Kompier, do Grupo Kompier, que cultiva 6,6 mil hectares de soja em Goiás, resume a preocupação: “Estamos atentos se vamos conseguir pagar as contas e se vai sobrar alguma coisa, se vamos ter rentabilidade”. Segundo cálculos do Rabobank, a margem operacional média da soja cairá de 38% em 2025 para 24% em 2026, refletindo aumentos de 20% nos fertilizantes e de 14% nos defensivos.

Levantamentos recentes confirmam a deterioração. A consultoria Datagro aponta queda da lucratividade bruta em três de cinco principais regiões produtoras de soja. Já a Serasa Experian estima que, em quatro anos, a margem de lucro caiu pela metade. No Mato Grosso, o Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária) chegou a registrar prejuízo médio de R$ 600 por hectare para produtores que trabalham em terras arrendadas.

Com o mercado internacional operando com estoques equilibrados e sem previsão de forte valorização das commodities nos próximos 18 meses, o professor Lucilio Alves, da Esalq/USP, avalia que dificilmente haverá alívio pelos preços. “Isso é positivo para o consumidor e ajuda no controle da inflação, mas, para os produtores, a queda nas cotações acende um alerta de preocupação”, observa.

O risco financeiro se agrava com o histórico recente de endividamento. A bonança pós-pandemia — marcada pela valorização do dólar, preços recordes das commodities e juros baixos — levou produtores a ampliarem os investimentos. Porém, desde 2023, o setor entrou em fase de ajuste, em meio à queda das cotações e ao aumento dos custos, potencializado pela guerra na Ucrânia e pela quebra da safra 2023/2024 causada pela seca. Sérgio Vale, economista da MB Associados, explica: “A grande questão é o custo financeiro. As empresas se endividaram lá atrás e, agora, enfrentam juros elevados em um período prolongado de pressão sobre as finanças”.

Esse cenário já aparece nos indicadores. No primeiro trimestre de 2025, 7,9% dos quase 10 milhões de produtores pessoas físicas monitorados pela Serasa tinham dívidas em atraso acima de 180 dias, contra 7% no mesmo período do ano anterior. Também houve salto de 21,5% nos pedidos de recuperação judicial no setor, totalizando 389 entre janeiro e março. Em 2024, o número de recuperações chegou a 975, mais que o triplo de 2023. A inadimplência já pressiona os balanços de bancos públicos, como Banco do Brasil, Caixa, BNB e Basa, principais financiadores do agronegócio.

Para atravessar o período adverso, o analista Bruno Fonseca, do Rabobank, recomenda que os produtores foquem no essencial: cortar custos, gerar caixa com vendas de ativos, alongar dívidas e evitar investimentos de risco. “Não projetamos alta significativa dos preços dos grãos até 2027. Esse será o tempo necessário para que o setor organize as finanças e volte a um patamar mais saudável”, avalia. Alguns já se adaptam: o Grupo Kompier aposta em práticas de agricultura regenerativa e insumos biológicos para reduzir a dependência de fertilizantes químicos.

Além das margens apertadas, o setor enfrenta desafios externos. O tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump sobre o café brasileiro — com sobretaxa de 40% mais 10% de tarifa recíproca — travou as exportações para os Estados Unidos, principal mercado consumidor. Em agosto, as vendas caíram 46,5%. Para compensar, exportadores brasileiros passaram a vender para outros destinos, como a Colômbia e o México. As vendas para os colombianos, que normalmente concorrem com o Brasil no mercado internacional, dispararam 578% em um ano. Já para o México, a alta foi de 90%. Segundo Marcos Matos, do Cecafé, trata-se de uma “realocação” global: países vizinhos compraram café brasileiro para atender seus mercados internos e destinaram sua própria produção aos EUA, aproveitando a valorização da commodity no mercado internacional.

A isso se somam os riscos climáticos. O Bradesco e consultorias meteorológicas alertam para a possibilidade de um episódio de La Niña fraco e curto no fim de 2025, que pode provocar seca no Sul do Brasil entre dezembro e janeiro, embora as condições sejam consideradas melhores do que as da safra passada. No Sudeste, Centro-Oeste e Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o quadro climático é mais favorável.

Para Renato Conchon, da CNA, o aperto das margens afeta não apenas os produtores, mas toda a economia regional. “Municípios com forte dependência do agro sofrem porque a economia local deixa de girar”, afirma. Esse efeito multiplicador reforça a importância de um setor saudável, não apenas para a balança comercial, mas também para o desenvolvimento das cidades do interior.

Em resumo, a safra 2025/2026 deve garantir novo recorde de produção, mas o agronegócio brasileiro vive um período de ajuste difícil. Endividamento elevado, inadimplência crescente, tarifas externas e custos em alta reduzem a capacidade de investimento e comprometem a saúde financeira dos produtores. A travessia até 2027 promete ser de disciplina e resistência, num ciclo que expõe a face mais dura do setor que, nos últimos anos, foi o motor do crescimento econômico do país.

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