A valorização do real frente ao dólar, a guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos e o aumento dos custos de produção reduziram de forma expressiva a margem de lucro das exportações brasileiras em agosto. Segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a rentabilidade total das exportações caiu 7,7% em relação ao mesmo mês de 2024, com impacto sobre indústria, agropecuária e setores extrativos.
No acumulado do ano, ainda há leve alta de 0,9%, mas em desaceleração: até julho, o ganho era de 2,2%. A expectativa da Funcex é que a variação acumulada se torne negativa até o fim de 2025, encerrando o ano com perda próxima de 1%. A queda de rentabilidade atingiu 24 das 29 atividades acompanhadas pela entidade.
A economista Daiane Santos, da Funcex e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), explica que a compressão das margens foi resultado de três fatores: valorização nominal de 1,9% do real frente ao dólar, recuo de 3,3% nos preços médios de embarque e aumento de 2,7% nos custos de produção. “Os serviços e salários foram os principais responsáveis pela alta de custos, com avanço de 5,2% em agosto”, afirma. Insumos nacionais subiram 1,9%, enquanto os importados caíram 2,6%, sem compensar o impacto dos demais componentes.
O câmbio tem sido o principal vilão. A valorização do real reduz a receita em reais dos exportadores, diminuindo a margem de lucro. Em julho, o movimento já havia provocado retração de 4,4% na rentabilidade, e a tendência, segundo Santos, é que setembro repita o desempenho negativo, consolidando a reversão acumulada a partir de outubro.
Entre as atividades mais afetadas estão pesca e aquicultura, celulose e papel, e extração de petróleo e gás. Dos 29 setores analisados, 15 registraram ganhos acumulados no ano, mas com queda pontual em agosto. Somente os segmentos farmacêutico, de equipamentos de informática e de outros equipamentos de transporte — que inclui o setor aeronáutico, isento do tarifaço — conseguiram ampliar a rentabilidade no mês e no acumulado.
De acordo com José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o cenário cambial e a política comercial dos EUA tornam o quadro mais desafiador. “Os preços das commodities devem permanecer estáveis ou cair um pouco mais. Nada indica aumento das cotações no curto prazo”, afirmou. Segundo ele, os preços médios de soja, petróleo e minério de ferro em 2025 devem ficar abaixo dos de 2024, reduzindo as margens dos exportadores e, indiretamente, pressionando os preços dos manufaturados.
A desaceleração do comércio internacional também agrava a situação. A Organização Mundial do Comércio (OMC) reduziu a projeção de crescimento do comércio global de bens para 0,9% em 2025, contra 2,7% estimados antes do tarifaço. “A incerteza é total, especialmente em relação às decisões do governo Trump, que voltou a impor tarifas — 10% sobre madeira e 25% sobre móveis”, diz Castro.
Segundo a Funcex, a queda dos preços médios de exportação acelerou em agosto, 1,5 ponto percentual a mais que em julho. Parte disso se deve ao impacto direto das tarifas americanas, que forçaram exportadores brasileiros a renegociar contratos e reduzir preços para manter competitividade.
O setor calçadista foi um dos mais atingidos. Priscila Linck, economista da Abicalçados, afirma que a rentabilidade das exportações de calçados, couros e artigos de viagem caiu 3,9% de janeiro a agosto em comparação com o mesmo período de 2024, com perda de 11% apenas em agosto. “Com o real valorizado, as empresas têm menos margem para dar descontos em dólar. E, muitas vezes, esses descontos são necessários para manter volume de vendas no exterior”, explica.
A economista destaca ainda que o tarifaço reduziu as exportações de calçados aos Estados Unidos, o que contribuiu para uma queda de 0,5% no volume total exportado pelo Brasil. Como os calçados vendidos aos EUA têm maior valor agregado, a redução do volume impactou fortemente os preços médios. Parte das empresas conseguiu manter embarques absorvendo parte das tarifas, enquanto outras renegociaram com importadores americanos para preservar relações comerciais — uma solução temporária, segundo Linck.
Daiane Santos, da Funcex, acrescenta que a pressão sobre preços também atingiu empresas que redirecionaram embarques dos EUA para outros mercados. “O exportador perdeu poder de negociação e precisou reduzir preços para conseguir absorção das mercadorias em novos destinos”, diz.
Dados do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), confirmam a mudança de rota. Entre os 15 principais produtos brasileiros afetados pelo tarifaço, nove tiveram queda nas exportações aos EUA em agosto, enquanto as vendas ao restante do mundo cresceram ou caíram menos. As exportações de semimanufaturados de ferro ou aço caíram 28,3% para os americanos e subiram 99,7% para outros países; as de carne bovina congelada recuaram 47,4% para os EUA e aumentaram 67,9% em outros mercados. O café foi exceção, com alta de 16,4% para os EUA e leve queda de 0,7% para os demais destinos.
Para Lia Valls, professora da Uerj e pesquisadora da FGV Ibre, os dados indicam um cenário complexo. “Nem sempre a queda nas vendas diretas aos EUA significa que os produtos deixaram de abastecer o mercado americano. Parte pode estar sendo redirecionada via outros países ou subsidiárias estrangeiras”, explica. Segundo ela, há evidências de que multinacionais estão reorganizando suas cadeias de exportação, utilizando outras unidades fora do Brasil para atender os Estados Unidos.