O peso dos gastos tributários no Brasil segue em trajetória ascendente e deve atingir níveis recordes em 2026, revelando um desafio cada vez maior para a política fiscal do país. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), União e Estados deverão conceder um total de R$ 954,73 bilhões em benefícios fiscais, o que equivale a 7,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O número representa um aumento de 0,6 ponto percentual em relação ao esperado para 2025 e um salto expressivo frente a 2017, quando o volume de renúncias representava 5,5% do PIB.
Embora a maior parcela ainda seja de responsabilidade do governo federal, o crescimento mais acelerado está nos Estados. A fatia da União deve passar de 4,4% para 4,6% do PIB entre 2017 e 2026, um avanço de 0,2 ponto percentual. Já a participação estadual, incluindo o Distrito Federal, vai mais do que dobrar, saltando de 1,1% para 2,5% do PIB no mesmo período. Essa expansão reflete tanto a importância dos incentivos para estratégias de desenvolvimento regional quanto a fragilidade dos mecanismos de concessão, avaliação e transparência dessas políticas.
Os chamados gastos tributários são instrumentos de política pública que concedem tratamento diferenciado a determinados setores, empresas ou atividades econômicas. Embora possam ser úteis para estimular setores estratégicos ou promover objetivos sociais, também carregam efeitos colaterais relevantes, como distorções de preços, perda de eficiência produtiva e captura por grupos de interesse. Segundo o estudo, essa complexidade é ainda maior no nível estadual, onde 27 realidades distintas convivem e a falta de padronização dificulta a avaliação e a comparação dos resultados.
O levantamento, realizado por Manoel Pires e Giosvaldo Teixeira Júnior, do FGV Ibre, aponta que os gastos tributários dos Estados devem somar R$ 333,72 bilhões em 2026 — alta nominal de 20,6% em relação ao ano anterior. Em valores absolutos, São Paulo lidera com R$ 85,6 bilhões em renúncias, seguido por Santa Catarina (R$ 31,1 bilhões) e Minas Gerais (R$ 25,4 bilhões). Quando se considera o peso dos incentivos sobre a receita total, Amazonas (58%), Santa Catarina (57,6%) e Mato Grosso do Sul (50,1%) ocupam as primeiras posições.
A divulgação mais precisa desses números começou em 2017, após a Lei Complementar 160 regularizar a concessão de benefícios de ICMS e obrigar os Estados a ampliarem a transparência. Desde então, os dados vêm se tornando mais confiáveis, mas ainda há grandes lacunas. “Os números são controversos e sujeitos a mudanças metodológicas. Apesar dos avanços, a transparência permanece limitada”, avalia Manoel Pires.
A falta de padronização também afeta a avaliação da efetividade dos incentivos. Muitos Estados não analisam o mérito das políticas concedidas nem criam indicadores para acompanhar resultados. Em vários casos, a concessão é guiada por pressões políticas ou pela necessidade de competir com benefícios oferecidos por outras unidades da federação. Essa “guerra fiscal” acaba reduzindo o potencial arrecadatório e perpetuando distorções.
Mesmo com a reforma tributária sobre o consumo prevista para iniciar sua transição em 2027, o debate sobre os incentivos permanece central. Pires defende a criação de uma lei geral federal para regulamentar os gastos tributários e propõe que o Comitê Gestor do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) tenha poder para normatizar, monitorar e avaliar essas políticas. “Será essencial estabelecer critérios claros para concessão, definir setores prioritários e exigir informações detalhadas para acompanhamento”, afirma.
O estudo também aponta que muitas políticas de crédito presumido não geraram aumento de arrecadação capaz de compensar a perda de receita. Mesmo assim, os governos hesitam em revogar os benefícios por receio de perder investimentos ou competitividade. A avaliação de impacto fiscal, embora mais comum, ainda é insuficiente para medir resultados concretos ou justificar a manutenção das políticas.
Com renúncias fiscais que crescem mais rápido do que o PIB e ultrapassam R$ 950 bilhões por ano, especialistas defendem que a discussão sobre o tamanho, a eficiência e a transparência dos gastos tributários se torne prioridade da agenda econômica. Afinal, embora essenciais para atrair investimentos em determinados contextos, eles representam uma renúncia significativa de recursos que poderiam ser destinados a políticas públicas estruturantes.










