Empresas e tributaristas manifestaram preocupação após a aprovação, no Senado, do projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. Apesar do avanço na proposta, o texto manteve um ponto que pode gerar insegurança jurídica e impacto sobre companhias de diferentes portes: a exigência de que os lucros apurados em 2025 sejam deliberados até 31 de dezembro do mesmo ano para que fiquem isentos da nova tributação sobre dividendos.
O dispositivo, visto como de difícil aplicação prática, foi mantido pelos senadores mesmo diante de críticas de especialistas que afirmam que a medida desconsidera os prazos contábeis previstos em lei. A regra cria uma condição para a isenção: apenas os lucros formalmente aprovados até o fim de 2025 permanecerão livres da alíquota de 10% que incidirá, a partir de janeiro de 2026, sobre dividendos pagos mensalmente acima de R$ 50 mil por empresa. A nova tributação valerá também para investidores não residentes no Brasil.
Na prática, isso significa que os resultados de 2025, se deliberados apenas no ano seguinte — o que é comum no calendário contábil — poderão perder o benefício fiscal. O ponto central da crítica está no fato de que muitas empresas encerram seus balanços somente nos primeiros meses do ano seguinte, como prevê o Código Civil e a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976), que permitem assembleias de aprovação das demonstrações financeiras até quatro meses após o encerramento do exercício social.
Para a advogada tributarista Ana Lucia Marra, sócia do Sanmahe Advogados, o texto aprovado cria uma exigência praticamente impossível de ser atendida. “É evidente a dificuldade, para não dizer impossibilidade, de cumprir com tal condição quanto aos resultados totais do ano-calendário de 2025”, avalia. Segundo ela, a regra é incompatível com a prática contábil adotada no país e poderá gerar uma onda de incertezas jurídicas no momento de implementação da nova legislação.
Carlos Henrique de Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados, reforça que a interpretação mais adequada seria permitir que as companhias deliberassem sobre os lucros até abril de 2026, dentro do prazo legal. “Se fosse possível que os lucros a serem distribuídos fossem os apurados no ano calendário 2025, sem a necessidade de determiná-los até 31 de dezembro, as empresas teriam o prazo previsto em lei para fazê-lo”, explica.
No mesmo sentido, Carlos Eduardo Orsolon, sócio da área tributária do Demarest, afirma que o setor privado ainda tenta compreender como se adequar. “As empresas estão tentando entender como é que isso acontece para que elas tomem atitudes até 31 de dezembro, para não correr o risco desses lucros se sujeitarem às novas regras e serem tributados”, afirma.
Durante a tramitação do texto, o senador Esperidião Amin (PP-SC) apresentou uma emenda que buscava corrigir o trecho, impedindo a incidência do imposto sobre lucros e dividendos gerados, mas ainda não deliberados até o fim do ano. Na justificativa, Amin argumentou que a redação poderia produzir efeitos retroativos indesejados e causar insegurança às companhias que não conseguirem cumprir o prazo. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelo relator da matéria, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sob o argumento de que qualquer alteração implicaria a necessidade de retorno do projeto à Câmara dos Deputados.
Em plenário, uma emenda semelhante foi apresentada pelo líder do PL, Carlos Portinho (RJ), mas também acabou descartada. Dessa forma, o texto foi aprovado sem modificações e seguirá para sanção presidencial.
Para especialistas, a manutenção da exigência tende a gerar questionamentos no período de implementação, especialmente entre empresas de capital fechado, cujos balanços são aprovados apenas após o encerramento do exercício social. Além disso, há dúvidas sobre como o Fisco irá interpretar a exigência no caso de companhias que deliberarem lucros parciais antes de 31 de dezembro, mas concluírem a aprovação final apenas no ano seguinte.
O debate sobre a tributação de dividendos é considerado um dos pontos mais sensíveis da proposta de reforma do Imposto de Renda. O governo argumenta que a medida busca aproximar o sistema tributário brasileiro de padrões internacionais, reduzindo a diferença de carga entre renda do trabalho e renda do capital. Para o setor privado, porém, a ausência de regras claras de transição e a imposição de prazos rígidos podem gerar entraves à aplicação prática das mudanças.









