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Projeção de Haddad sobre Selic a 12% contraria cálculos do BC e gera reação de economistas

Divergência sobre juros reacende debate entre equipe econômica e autoridade monetária às vésperas de novas indicações para o BC

A avaliação feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em que afirma que a inflação seria apenas 0,20 ponto percentual mais alta caso a taxa Selic estivesse em 12% ao ano, abriu um novo capítulo no embate entre a equipe econômica do governo federal e a direção do Banco Central. A declaração contrasta com os cálculos oficiais da autoridade monetária e ampliou a tensão com o presidente do BC, Gabriel Galípolo, em meio à discussão sobre o nível considerado adequado para a política monetária, hoje em 15% ao ano.

A Folha consultou economistas que analisaram o número citado por Haddad e apontaram inconsistências no exercício. Segundo eles, a fala do ministro não esclareceu qual modelo foi aplicado nem o horizonte de tempo utilizado na simulação, o que torna a estimativa incompleta. Em avaliações próprias, esses especialistas calculam que a inflação ficaria entre 0,75 e 0,90 ponto percentual mais alta em um cenário de juros reduzidos para 12% ao ano, e não apenas 0,20 ponto percentual, como afirmou o ministro.

Pessoas ligadas à área técnica afirmam que a equipe da Fazenda não apresentou, até o momento, detalhes sobre o método utilizado para chegar ao resultado divulgado. Questionada desde a última sexta-feira, a assessoria de Haddad não respondeu às solicitações da reportagem sobre os parâmetros da projeção. Na entrevista em que tratou do tema, o ministro disse ter solicitado simulações com juros de 12% e de 15% e relatou que as diferenças observadas ao final do chamado horizonte relevante ficaram em 0,2 ponto percentual.

A reação entre economistas foi imediata. A pesquisadora Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do IBRE-FGV, classificou o exercício como um equívoco que desconsidera efeitos importantes sobre expectativas, credibilidade e câmbio. Para ela, um corte abrupto da Selic para 12% provocaria um processo de desancoragem semelhante ao observado em 2011, quando o Banco Central surpreendeu o mercado ao reduzir a taxa básica em meio a pressões inflacionárias. Segundo a economista, a queda dos juros nessas condições teria impacto mais forte e mais rápido, elevando a inflação bem acima do cálculo apresentado por Haddad.

Matos observa que a inflação brasileira permanece sensível a dois vetores que limitam a margem de manobra da política monetária. O primeiro é a pressão da demanda, já que a economia opera próxima do limite de sua capacidade, com desemprego baixo e ganhos salariais acima da produtividade. O segundo é o aumento da dívida pública, que exige prêmios maiores por parte dos investidores e reforça a necessidade de taxas de juros mais elevadas para evitar novos episódios de instabilidade.

Outros especialistas reforçaram o argumento. O ex-diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, afirmou que o impacto depende diretamente do período considerado após a mudança nos juros. Ele explicou que, em um horizonte muito curto, o efeito sobre a inflação realmente pode ser pequeno, mas, ao se observar um prazo de um ano ou mais, a elevação tende a ser significativa, em linha com os modelos do próprio Banco Central.

A autoridade monetária, em seu Relatório de Inflação de junho de 2024, estimou que a variação de 1 ponto percentual na Selic mantida por quatro trimestres altera o IPCA entre 0,24 e 0,27 ponto percentual, dependendo do modelo. Com base nesses parâmetros, uma redução de três pontos na taxa básica poderia elevar a inflação em aproximadamente 0,75 ponto percentual, segundo cálculo reforçado pelo ex-diretor do BC, Alexandre Schwartsman. Para ele, o número mencionado por Haddad diverge claramente das evidências apresentadas nos relatórios oficiais.

Schwartsman destacou ainda que o Banco Central utiliza como referência, nas projeções do Copom, a trajetória de juros da pesquisa Focus e que, mesmo nessas condições, as estimativas mais recentes indicam inflação em torno de 3,3% para meados de 2027. O economista afirmou que o estudo utilizado pela autoridade monetária mostra sensibilidade bem maior da inflação a movimentos da Selic do que o cálculo apresentado pelo ministro da Fazenda.

Um analista de um grande banco, ouvido sob reserva e responsável por um dos modelos econométricos mais respeitados no mercado, avaliou que as simulações citadas por Haddad parecem subestimar a relação entre juros e atividade econômica. Em sua visão, uma Selic de 12% provocaria um impulso no crescimento do PIB próximo de 0,70 ponto percentual, gerando desequilíbrios adicionais, como maior pressão sobre o câmbio, queda mais acentuada do desemprego e aceleração dos salários, todos fatores com efeitos inflacionários relevantes.

A percepção dos economistas é de que o Banco Central conseguiu, ao longo deste ano, amenizar movimentos abruptos do câmbio observados no final do ano passado e conduzir a desaceleração gradual da atividade, o que permitiu a redução lenta da inflação corrente. Em paralelo, analistas ressaltam que a política fiscal permaneceu expansionista, com crescimento de despesas permitido pelo novo arcabouço fiscal e diversas exceções que ampliam o endividamento público.

Diante do atrito entre Fazenda e Banco Central, especialistas alertam que a tensão institucional pode afetar a escolha dos dois novos diretores da autarquia, responsáveis pelas áreas de Organização do Sistema Financeiro e Política Econômica. Os mandatos atuais terminam em 31 de dezembro e, até o momento, o governo federal não indicou nomes para as sabatinas no Senado, o que adiciona incerteza ao processo.

A expectativa é de que o debate entre Haddad e Galípolo sobre o nível adequado da taxa de juros continue influenciando o ambiente econômico e político nas próximas semanas, especialmente em um momento de volatilidade internacional e de desafios internos para manter a inflação dentro da meta estipulada pelo regime vigente.

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