Startups brasileiras buscam levantar crédito com base em capital preso no SVB

Empresas avaliam planos de empréstimo para honrar pagamentos de salários e manter as operações

Algumas startups brasileiras que têm recursos presos no SVB (Silicon Valley Bank) (SIVB), desde sexta (10) sob intervenção de autoridades americanas, começam a fazer planos de ação para cumprir com pagamentos de salários e manter as operações, que incluem empréstimos como alternativas.

Essas startups também aguardam informações de possíveis pagamentos do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), liquidante federal do SVB, para além dos valores segurados de US$ 250 mil nesta segunda-feira (13).

Pelo menos 10 startups brasileiras fizeram uma ponte com a Trace Finance para receber uma linha de crédito da americana Capchase baseada nos recursos presos no banco SVB.

“Fundadores estão se inscrevendo no formulário do FDIC para tentar receber os US$ 250 mil o quanto antes, e, se isso não for suficiente, estão buscando alternativas de dívida”, disse um fundador à Bloomberg Línea em condição de anonimato.

O governo americano tem afirmado que os valores até US$ 250 mil serão liberados nesta segunda.

A maior parte dessas startups brasileiras que aplicaram para a linha da Capchase têm até US$ 250 mil no banco - valor que é segurado pelo FDIC -, mas alguns fundadores quiseram “ter um plano B”, segundo Bernardo Brites, CEO e cofundador da Trace Finance.

A Bloomberg Línea apurou que há fundadores com mais de US$ 10 milhões represados no banco. Há aqueles que fizeram pedidos de transferência na sexta mas ainda não receberam os recursos.

Neste final de semana, fundadores e investidores (mesmo de startups que não tinham recursos represados mas que estão preocupados com o impacto no setor) desenharam planos de ação para cumprir com pagamentos do dia-a-dia e salários.

Um fundador familiarizado com as discussões disse à Bloomberg Línea, em condição de anonimato porque as conversas são privadas, que há dois cenários para as startups brasileiras hoje: startups que estão com caixa suficiente no Brasil para os próximos seis meses, normalmente 30% do valor captado com fundos de VC (venture capital); e startups que estão com pouco caixa no Brasil e que vão precisar de um plano para o curto prazo.

Para essas empresas em situação de pouco caixa, além de aguardar um suporte do FDIC para devolução dos recursos nos próximos dias, começa-se a falar em tomar pequenas dívidas emergenciais com fintechs como a Brex, dos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, e outras instituições.

O Capchase, que antecipa recebíveis recorrentes de startups, fez um mutirão no final de semana para que na segunda-feira (13) já comecem a ser liberadas linhas de crédito. O objetivo é que essas startups com recursos represados consigam honrar com pagamentos de salários e manter a operação enquanto não sacam os recursos do FDIC.

O empréstimo será equivalente a 20% a 30% do saldo preso no SVB, com juros.

“O plano de ação é fazer o que dá. Muitos desses fundadores vão tentar mandar o dinheiro tanto por câmbio quanto por conta bancária nos EUA. Entende-se que talvez exista uma janela maior de saque nesta segunda-feira, se não do total, mas dos US$ 250 mil que o FDIC deve liberar”, disse Brites.

“Há muitas startups que já resolveram esse problema, que não têm dinheiro ali [no SVB], mas que já estão pensando em novas rodadas com estrutura em Cayman e abrindo contas offshore com a Trace.”

Evitando o contágio

No final de sábado (11), o FDIC iniciou um processo de leilão do banco quebrado, com lances finais para a tarde de domingo, conforme pessoas familiarizadas com o assunto disseram à Bloomberg News.

O FDIC está buscando um acordo rápido para a compra dos ativos do banco para poder disponibilizar uma parte dos depósitos não segurados dos clientes já na segunda-feira, pessoas com conhecimento da situação disseram à Bloomberg News.

No final do ano passado, o SVB tinha mais de US$ 175 bilhões em depósitos – a grande maioria excedendo o limite de US$ 250 mil por cliente e, portanto, não segurado – e US$ 209 bilhões em ativos totais, segundo a Bloomberg News. Especialistas do setor estimam que 90% das startups brasileiras com operação offshore tinham dinheiro no SVB antes da corrida por saques na quinta-feira.

Em publicação no LinkedIn, o investidor Paulo Passoni, ex-managing partner do SoftBank para a América Latina, ressaltou a importância de que todos os depósitos do SVB sejam honrados, “ou essa coisa vai se espalhar como fogo selvagem”.

“Não estou falando de socorrer os acionistas do SVB. Estou falando em garantir que todos os depositantes recebam seus recursos na íntegra. Caso contrário, uma grande parte dos depósitos de outras empresas em bancos menores migrará rapidamente para os grandes bancos, que são grandes demais para quebrar”, escreveu.

“Eu acredito no capitalismo e no risco moral, mas primeiro você impede a disseminação, que é indiscutivelmente mais rápida hoje em dia com as mídias sociais e tudo mais. Em suma, esta é uma situação tão grave que creio que é altamente provável que tenhamos uma solução para os depositantes até segunda-feira de manhã”, disse Passoni.

“Pelo jeito como está se desenhando, as startups vão receber boa parte do valor represado, senão tudo, nas próximas semanas. Mas há a possibilidade de isso não acontecer, ou de acontecer de uma forma atrasada. E as startups têm salários para pagar”, disse Brites em entrevista à Bloomberg Línea.

Ele disse que a maioria das startups brasileiras tem um caixa considerável para fazer pagamentos de salário e manter as operações. “A situação está relativamente controlada”, disse Brites.

“Não acho que precisar [da linha de crédito] seja o caso da maioria das startups, mas há casos em que, até para se ter uma garantia a mais porque não se sabe quanto tempo vai levar para sacar o dinheiro ou parte dele, os fundadores procuram outras alternativas”, afirmou o empreendedor.

“A Trace não está ganhando nada com essa linha de crédito, é uma parceria para ajudar as startups. Não é do nosso interesse que alguma startup quebre.”

A Trace Finance opera com câmbio para startups e, na quinta-feira (9), durante a corrida de fundadores para sacar seus saldos no SVB, abriu uma lista de espera para uma conta global para receber esses fundos. Segundo Brites, a Trace recebeu cerca de US$ 200 milhões de startups vindos de contas do SVB e transferiu esse montante para reais ou mandou para outra conta em dólar.

Bloomberg Línea