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Ter acesso a um carro novo por assinatura, da mesma forma que os serviços de streaming, como Netflix e Globoplay, é a mais recente modalidade para vender carros adotada pelas montadoras do Brasil. Na visão de analistas, esse tipo de contrato por prazos de até três anos, que deixa nas mãos do consumidor apenas gastos com combustível e eventuais multas, vai representar uma fatia importante dos negócios nos próximos anos.
Introduzido por locadoras há cerca de quatro anos, o serviço era tratado basicamente como aluguel de longo prazo, similar ao leasing, e mais voltado a pessoas jurídicas. A partir de meados de 2020, quando as próprias fabricantes de veículos começaram a entrar no ramo usando o termo assinatura, o conceito vem se espalhando. Há ofertas de carros compactos, como o Fiat Mobi, de super luxo, como o Audi RS5, e até elétricos da Tesla, todos zero quilômetro.
Sete fabricantes locais já lançaram programas, administrados por seus bancos ou concessionárias. Eles funcionam como os planos de assinatura dos serviços de conteúdo, com diferentes pacotes que determinam o valor a ser pago mensalmente. O preço depende do modelo escolhido, prazo de contrato (de um a três anos) e a quilometragem a ser rodada por mês.
Por serem programas recentes, a maioria das montadoras não divulga número de assinaturas, mas uma delas já comemora os resultados. “Em pouco mais de dois meses conseguimos 1,5 mil contratos”, informa Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil.
Chamado de On Demand, o serviço tem atraído principalmente consumidores de 35 a 45 anos e pode ser adquirido on-line e com entrega do carro na casa do cliente.
Na opinião do executivo, o interesse atual está ligado, em parte, à pandemia da covid-19, em razão da insegurança de várias pessoas que utilizam transporte público e carros de aplicativo. “No médio e longo prazo, contudo, será uma tendência, assim como já é na Europa, e vai crescer.”
Nos contratos da Renault até agora, com prazos de 12 a 24 meses, 60% escolheram o mais curto demonstrando, na visão de Gondo, “que as pessoas estão testando o novo formato”.
Segundo ele, parte dos consumidores, até então donos dos carros, não quer mais se preocupar com a burocracia de adquirir e manter um modelo novo (documentação, pagamento de impostos, seguro, revisão e manutenção técnica) – e tudo isso está incluído na assinatura.
Também tem o cliente que não quer imobilizar seu capital na compra de um veículo e prefere aplicar o dinheiro e pagar parte das mensalidades com os rendimentos. Outro perfil é o do consumidor que não tem condições de adquirir um automóvel à vista ou dar a entrada no financiamento, mas consegue bancar a prestação mensal da assinatura. Tem ainda os que simplesmente gostam de experimentar modelos diferentes sem a burocracia de comprar e depois vender.
O carro preferido dos assinantes da Renault é o Kwid Outsider, cujo contrato mensal varia de R$ 1,1 mil a R$ 1,44 mil. A montadora também oferece as demais versões desse modelo, o Stepway, o Duster e, em breve, o elétrico Zoe. A vantagem entre a assinatura e a compra é uma conta individual, pois envolve como e quanto a pessoa usa o automóvel mas, na maioria dos casos, é mais vantajosa.
Proposta tem de ser sedutora
A Audi, primeira no setor a lançar seu programa de assinatura em setembro, inicialmente como piloto e agora oficializado, informa que, ao levar em conta o custo total de propriedade de um carro da marca, a assinatura chega a ser em média 25% mais barata se comparada à compra.
Para Ricardo Bacellar, líder da área automotiva da consultoria KPMG no Brasil, o serviço de assinatura no País ainda passará por uma etapa de aprendizagem de montadoras e consumidores. “A oferta tem de ser sedutora o suficiente para atrair o cliente para essa modalidade.”
Em sua visão, o que tem no mercado até agora não é muito atrativo para o comprador de carro de entrada (os mais baratos). Além disso, o lançamento dos programas está ocorrendo num momento de crise, de falta de confiança do consumidor, de desemprego elevado, alta dos preços e falta de peças para a produção, o que leva a uma espera de até três meses para receber o veículo.
Bacellar acredita, por outro lado, que a assinatura pode “abrir uma porteira gigantesca para a retomada da produção”, pois é crescente o número de pessoas em todo o mundo que não quer mais a posse do automóvel, apenas o uso. Ele também vê a modalidade como uma janela para maior introdução de carros elétricos no País.
“Hoje a compra dos elétricos é inviável para a maioria das pessoas, pelo alto custo, mas, se o consumidor tiver oportunidade de testar o carro por um tempo e ver que a infraestrutura funciona, é possível que, no futuro, as montadoras tenham até escala para a produção local”, avalia o consultor.
Demanda vai crescer
Com o programa Audi Luxury Signature, a marca informa que os clientes são principalmente executivos de alto escalão de empresas. Os modelos mais procurados são os elétricos e-tron, com parcelas mensais de R$ 11,6 mil, e o e-tron Sportback, por R$ 11,9 mil em contratos de dois anos e 2 mil km para rodar por mês.
O grupo Caoa colocou no mercado em março o Caoa Sempre, com modelos da Chery e os importados da Hyundai. “Apesar de recente, o programa tem nos surpreendido de forma positiva por conta da crescente demanda”, informa o diretor executivo comercial do grupo, Jack Nunes. Segundo ele, a maior concentração está no Tiggo 5xT, com prestações a partir de R$1,8 mil.
A Stellantis (holding da Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën), criou em janeiro o Flua!, por enquanto apenas em oito cidades de São Paulo e em Curitiba (PR), com planos para 12 a 36 meses. O Fiat Mobi entrou no programa recentemente, mas já lidera a preferência dos assinantes com a versão Trekking, que tem 12 parcelas de R$ 1,2 mil (para franquia mensal de 1 mil km) a R$ 1,6 mil (3 mil km). Para o Jeep Renegade Longitude, o plano de 36 meses custa de R$ 2,1 mil a R$ 2,45 mil.
A arquiteta Doreane Oliveira Silva, de 56 anos, vendeu seu carro e passou a utilizar o metrô para ir e voltar do trabalho e para sair aos finais de semana, pois morava próximo a uma estação. Há um ano, mudou-se para a zona Leste e, sem o metrô por perto decidiu fazer assinatura em uma locadora.
“Fiz todas as contas e achei que valia a pena”, diz. Doreane ficou com um Ford Ka por um ano e, em março, quando o contrato venceu, fez outra assinatura, desta vez com a Fiat, para um Mobi que deve receber em dez dias. Desta vez ele fez contrato por dois anos e paga R$ 1,26 mil ao mês.
Outra fabricante que já criou seu programa de assinatura é a Nissan, mas por enquanto está em teste para funcionários. A montadora antecipa que colocou 100 modelos Kicks à disposição e em dois dias todos foram alugados. O plano da Volkswagen, lançado em novembro, contempla os modelos Nivus, T-Cross, Jetta, Tiguan e Virtus.
(Cleide Silva, O Estado de S. Paulo)