A relação entre riqueza e felicidade tem sido amplamente discutida na literatura acadêmica, como, por exemplo, nos estudos seminais de Easterlin

Por Ahmed El Khatib

Tales de Mileto, um filósofo grego (624-558 a.C.), foi a mais antiga referência da filosofia ao termo "felicidade", que define felicidade como ter um corpo saudável, uma alma saudável e sorte. Para Sócrates, a felicidade não está ligada tanto ao corpo quanto ao estado de bem-estar da alma, que pode ser alcançado por meio de ações corretas e virtuosas. A felicidade, na opinião de Kant, está ligada aos desejos e prazeres e não é objeto de uma investigação filosófica.

A relação entre riqueza e felicidade tem sido amplamente discutida na literatura acadêmica, como, por exemplo, nos estudos seminais de Easterlin (1974, 1995). No entanto, existem vários estudos na literatura precedente que mostram uma ligação positiva entre a felicidade e o crescimento financeiro e uma importante correlação entre a felicidade e o prazer de um indivíduo, que estão diretamente relacionados com a intensidade do desenvolvimento e progresso de uma nação. Além disso, pesquisas internacionais (por exemplo, Frederick e Loewenstein, 1999; Frey e Stutzer, 2002; Kahneman e Deaton, 2010; Killingsworth, 2021) indicam que o rendimento adicional para além de um determinado nível não tem um impacto duradouro no sentimento de felicidade ou alegria, porque nós, como indivíduos, somos capazes de nos adaptar a diferentes situações. 

As atitudes das pessoas em relação ao dinheiro diferem devido a variações de cultura, idade, gênero, religião, etnia, antecedentes familiares, nacionalidade, rendimento, experiência passada e nível de educação. Estes fatores são vitais para moldar a atitude de uma pessoa em relação ao dinheiro, o que afeta direta ou indiretamente o bem-estar subjetivo de um indivíduo. O dinheiro não é simplesmente uma plataforma principal de troca; também está diretamente relacionado ao senso de autoimagem positiva de uma pessoa, respeito próprio, incentivo, felicidade e saúde psicológica ou mental. 

Com respeito à saúde mental, William James, um conhecido e respeitado psicólogo americano, disse certa vez: “O pensamento (atitude) determina a ação, a ação determina o hábito, o hábito determina o caráter e o caráter determina o destino”. Os pensamentos (atitudes) são considerados preditores de qualidade de vida e bem-estar. Podemos deduzir que a atitude das pessoas em relação ao dinheiro está relacionada com o seu bem-estar, da mesma forma que a atitude em relação ao dinheiro prediz o bem-estar subjetivo. Os indivíduos buscam o bem-estar ao longo da vida e é a principal indicação da qualidade de vida. A relação entre dinheiro (ou seja, é real e materialidade) e bem-estar (ou seja, é abstrato) tem atraído extensa atenção de pesquisas. 

A sensação de ter dinheiro suficiente é principalmente uma questão psicológica. Pode-se ter um milhão de reais e ainda assim ter a sensação de que não é suficiente. Isso significa que há pessoas que nunca se sentem seguras, e outras se sentem seguras mesmo com pouco. O grande estresse com o dinheiro ou estresse financeiro é o que fazer com ele ou como investi-lo adequadamente. Ficamos presos em uma esteira com múltiplas opções, que depende da situação de renda. Existem muitas pessoas no mundo para quem a falta de dinheiro é um fator de estresse. Mesmo a economia não trata da renda máxima. Em última análise, trata-se do bem-estar do indivíduo. Um rendimento elevado é apenas o primeiro passo para isso. Numa segunda etapa, a renda deve ser convertida em atividades que realmente te façam feliz. Outros fatores são necessários para isso, portanto, trata-se de encontrar a combinação ideal. Há pessoas que estão infelizes porque têm muito tempo, mas não têm dinheiro. Por outro lado, outros têm muito dinheiro, mas não têm tempo. O que temos de concreto é que precisamos de um salário para pagar nossas contas! 

A pergunta “Dinheiro compra felicidade” está no título desse artigo e pode ser considerada uma afirmação complexa e significativa com múltiplas implicações. Estudar a felicidade humana em termos de crescimento/declínio de salários/renda/PIB tornou-se um dos temas mais pesquisados entre os economistas, incluindo o professor Daniel Kahneman, que nos deixou em 2024. Por exemplo, a economia convencional pressupõe que rendimentos mais elevados significam níveis mais elevados de felicidade. Por outro lado, um dos artigos de referência nesta área, de Easterlin (1974, 1975, 2006), estuda o aumento substancial do rendimento real nos EUA (1946-1970), o que não conduziu a um aumento substancial do nível de felicidade relatado. O paradoxo de Easterlin não é apenas um modelo para os EUA, mas também é aplicável a outros países como o Japão ou o Reino Unido. 

O salário/rendimento é uma das variáveis mais utilizadas (Cummins 2000a, 2000b; Schyns, 2001; Diener e Biswas-Diener, 2002; Graham e Pettinato, 2004; Cai et al., 2018). Quando se pergunta aos indivíduos por que trabalham, o dinheiro é uma das razões mais frequentemente citadas. Quando as pessoas se concentram no dinheiro, por exemplo, simplesmente estando preocupadas em ganhar mais, podem ser menos amigáveis nas suas relações com os outros, sendo menos vulneráveis à rejeição social e mais determinadas a alcançar objetivos pessoais. Entretanto, Wilkinson e Pickett (2009, 2018) argumentaram que uma maior igualdade de rendimentos está associada a uma maior qualidade de vida e é particularmente pertinente para medidas de bem-estar físico e mental que apresentam um gradiente social (Kühner et al., 2019). E outra entraria a variável “felicidade”? 

Staubli et al. (2014) consideram bem-estar como o termo científico dedicado ao fenômeno da felicidade. A maioria dos investigadores afirma que o bem-estar inclui dois componentes: um componente cognitivo (satisfação com a vida) e um componente afetivo (felicidade). Estes dois componentes estão fortemente correlacionados e, por esta razão, muitos investigadores assumiram que as duas variáveis medem realmente a mesma coisa (por exemplo, Veenhoven 1991; Lane 2000). Diener e Seligman (2004) afirmam que para uma avaliação abrangente, os componentes devem ser medidos separadamente. Segundo Mayraz et al. (2009), a ferramenta mais utilizada para estudar a relação entre felicidade e renda é a satisfação com a vida. 

Filósofos e economistas, desde Tales de Mileto à Bentham, Mill e Smith, integraram a busca da felicidade no seu trabalho. Com esforços mais rigorosos dos economistas, surgiram explicações mais frugais sobre o bem-estar. O advento da economia comportamental levou à fundação de novas linhas de pesquisa. A economia da felicidade depende de um ponto de vista mais amplo sobre a utilidade e o bem-estar, incluindo o comportamento econômico. Da perspectiva da filosofia utilitarista, a pesquisa sobre felicidade refere-se ao bem-estar como um estado discreto e subjetivo dos indivíduos. Nesse sentido, a maximização do bem-estar pode ser baseada no julgamento ético de acordo com a pesquisa sobre felicidade. Por exemplo, Layard identifica o bem-estar positivo com “um sentimento bom” e o bem-estar negativo com “um sentimento ruim”. 

Declarar-se feliz é expressão de um sentido geral, mas a satisfação é mais concreta e refere-se a diversos elementos específicos da vida. Uma pessoa poderia dizer que está feliz, mas não está satisfeita com certos aspectos da vida (por exemplo, satisfação no trabalho, satisfação financeira, vida pessoal, vida social, saúde). A satisfação com a vida é uma das medidas essenciais do bem-estar subjetivo. 

Algumas pesquisas se utilizam do conceito de “comportamentos financeiros” para se referir a comportamentos positivos ou desejáveis recomendados por economistas de consumo como formas de melhorar o bem-estar financeiro. Os comportamentos financeiros comuns incluem práticas relacionadas com a gestão de dinheiro, crédito e poupança. Parece fazer algum sentido. Uma vez que o bem-estar financeiro de um indivíduo pode ser objetivo (medido em termos de renda, ativos etc.) ou subjetivo (medido em termos de satisfação financeira), comportamentos financeiros positivos podem ser considerados para melhorar o bem-estar financeiro em ambas as áreas. 

A medida mais comum de satisfação financeira é salário/renda. Muitos estudos examinaram a relação entre salário/rendimento e satisfação com a vida (Schyns, 2001; Graham e Pettinato, 2004; Hsieh 2004; Delhey, 2004). 

Dessa forma, podemos, ainda que preliminarmente, acreditar que a satisfação com a vida é um resultado importante a ser considerado juntamente com outras variáveis-chave de gestão, tais como atitudes e comportamentos no trabalho. Até onde, o dinheiro é o principal motivo de trabalho. Mas o dinheiro em si, separado de outros fatores, não leva à felicidade e à autossatisfação. Felicidade e satisfação com a vida são conceitos interligados que contribuem para a qualidade de vida de uma pessoa. A satisfação com a vida, refletindo uma avaliação cognitiva da própria vida, parece estar mais fortemente associada às condições de vida e às necessidades sociais, enquanto a felicidade, que se refere ao sentimento positivo, parece estar mais fortemente associada à qualidade da interação social. E para você? Dinheiro compra felicidade ou felicidade traz dinheiro?

Ahmed Sameer El Khatib é Doutor em Administração de Empresas, Doutor em Educação, Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC/SP e graduado em Ciências Contábeis pela USP. É pós-doutor em Contabilidade pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Administração pela UNICAMP. É professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e professor adjunto de finanças da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foi chefe geral do orçamento da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo entre os anos de 2016 e 2019.

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