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O Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentou um cenário ainda mais pessimista para a trajetória fiscal do Brasil. No relatório Monitor Fiscal divulgado nessa quarta-feira (23), durante as Reuniões de Primavera do fundo em Washington, o FMI projeta que a dívida bruta do governo geral brasileiro deve saltar de 87,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 para 92,0% em 2025. Caso o país não adote medidas de consolidação fiscal, esse percentual pode chegar a 99,4% até 2029 — patamar semelhante ao registrado em 2020, auge da pandemia de covid-19.
A deterioração é mais acentuada do que o previsto na última edição do relatório, em outubro de 2023, quando o FMI projetava um aumento de cerca de 10 pontos percentuais no endividamento durante o governo Lula. Agora, o fundo revisa essa previsão para uma elevação superior a 12 pontos, refletindo não apenas os juros altos, mas também o baixo avanço nas medidas de ajuste fiscal.
O salto da dívida compromete os esforços da equipe econômica liderada pelo ministro Fernando Haddad, que tem sustentado que o problema não está no resultado primário — diferença entre receitas e despesas, excluindo juros —, mas sim no custo elevado do endividamento, impulsionado pela taxa Selic, atualmente em 14,25% ao ano. A avaliação do FMI, no entanto, é mais abrangente e considera que a ausência de uma estratégia eficaz para equilibrar as contas públicas agrava o risco fiscal.
Brasil se afasta dos emergentes e se aproxima de economias altamente endividadas
Com a nova estimativa, o Brasil se distancia ainda mais da média dos países emergentes, cuja dívida pública deve chegar a 73,8% do PIB em 2025 — quase 20 pontos percentuais abaixo da brasileira. Entre as grandes economias, apenas China, Estados Unidos, França, Reino Unido e África do Sul apresentam níveis mais preocupantes, segundo o relatório.
O FMI enfatiza que o Brasil é hoje um dos principais contribuintes para o aumento da dívida pública global, que deve passar de 92,5% do PIB em 2024 para 95,3% neste ano, podendo atingir 100% até o fim da década. O organismo internacional alerta que esse cenário pressiona ainda mais a necessidade de consolidação fiscal, especialmente diante das incertezas provocadas por fatores geopolíticos, como a escalada da guerra comercial entre EUA e China.
Novo arcabouço fiscal e falta de ações estruturais agravam desconfiança
Apesar da aprovação do novo arcabouço fiscal, que substituiu o antigo teto de gastos, e do anúncio de corte de despesas de até R$ 70 bilhões em dois anos, o governo Lula tem resistido em adotar medidas adicionais. Segundo especialistas, há uma percepção de que o governo prioriza receitas temporárias e posterga reformas estruturais, o que eleva o risco de perda de credibilidade fiscal no médio prazo.
O FMI também chama atenção para o impacto desse cenário sobre a confiança dos investidores e das agências de classificação de risco, que monitoram de perto a trajetória da dívida bruta como proporção do PIB — um dos principais indicadores de solvência de um país.
Pressões internas e externas aumentam a urgência de ajuste
Economistas ouvidos pela imprensa destacam que a política monetária — mesmo com juros altos — não será suficiente para conter os efeitos da expansão da dívida sem contrapartidas na política fiscal. Além disso, o atual nível de endividamento reduz a capacidade de o Estado responder a choques econômicos e compromete a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo.
Diante desse cenário, o FMI recomenda que o governo brasileiro adote um plano fiscal crível, com metas realistas, revisão de despesas obrigatórias e reformas estruturais, como a administrativa e a previdenciária complementar. O objetivo é restaurar a confiança dos mercados, conter o avanço da dívida e abrir espaço para uma eventual redução dos juros.
Enquanto isso, o Brasil continua em uma trajetória preocupante, com projeções de endividamento crescente, pressão por mais gastos sociais e investimentos públicos, e um ambiente global de maior incerteza — especialmente com a possibilidade de um novo mandato de Donald Trump, cujas políticas protecionistas podem exigir respostas fiscais adicionais por parte das economias emergentes.