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Impulsionada pela forte desvalorização do real, a rentabilidade média do exportador brasileiro cresceu 5% no primeiro bimestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano passado. O avanço ocorreu mesmo com uma leve recuperação da moeda brasileira ao longo do período, mas especialistas alertam que o cenário continua marcado por incertezas. A guerra comercial promovida pelo governo dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump, segue como fator decisivo tanto para o câmbio quanto para os preços internacionais, podendo beneficiar ou pressionar o desempenho das exportações brasileiras ao longo do ano.
De acordo com a Fundação Centro de Estudos para o Comércio Exterior (Funcex), o câmbio esteve 19,3% mais desvalorizado no início de 2025 do que no mesmo período de 2024, favorecendo a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. No entanto, esse ganho foi parcialmente anulado pela queda de 4,7% nos preços médios de exportação e por um aumento de 8,3% no custo médio de produção — impulsionado, sobretudo, pelo encarecimento dos insumos importados, que subiram 11,1% no bimestre. Também houve alta nos preços dos insumos nacionais (8,6%) e nos custos de serviços e salários (7,2%).
“O que mais pressionou os custos foi justamente o aumento nos preços dos insumos importados, resultado direto da desvalorização do real”, explica Daiane Santos, especialista da Funcex. Segundo ela, embora o câmbio beneficie a rentabilidade em um primeiro momento, esse efeito tende a se dissipar com o tempo, diante do aumento dos custos e da queda dos preços de embarque.
Essa dinâmica já foi observada na virada de janeiro para fevereiro, quando uma valorização de 4,3% no câmbio resultou em queda de 6,3% no índice de rentabilidade calculado pela Funcex.
O levantamento também mostra que os ganhos foram amplamente distribuídos entre os setores da economia: apenas 5 dos 29 setores analisados registraram queda de rentabilidade no período. Entre eles, destacam-se dois setores estratégicos: a extração de petróleo e gás natural, com recuo de 1,8%, e a extração de minerais não metálicos, com queda expressiva de 14,3%.
A queda da rentabilidade nesses segmentos está diretamente ligada à forte retração nos preços de exportação. No caso do petróleo e gás, os preços caíram 11,3% — impacto muito mais forte do que o aumento de 7,8% nos custos. O setor, que ultrapassou a soja como principal produto de exportação do país após 15 anos, sentiu o baque do recuo das cotações internacionais. Já os minerais não metálicos sofreram com um tombo de 22,7% nos preços, diante de uma alta de apenas 7,6% nos custos.
Entre os setores com melhor desempenho, destaque para a metalurgia, que viu sua rentabilidade saltar 28,6%, impulsionada tanto pelo câmbio quanto pela valorização de 15% nos preços. Outros destaques foram os segmentos de equipamentos de transporte (21,3%) e celulose e papel (15,9%).
No agronegócio, o resultado foi mais modesto, com a agropecuária registrando leve recuo de 1,1% nos preços e um aumento de 7,7% nos custos. Ainda assim, foi o único entre os três principais setores exportadores a manter-se em território positivo.
Para o segundo bimestre, a Funcex projeta estabilidade na rentabilidade média, já que o câmbio nominal não apresentou grandes oscilações após o anúncio das tarifas em 2 de março. A estimativa de rentabilidade para o ano permanece em 5,94%, mas Daiane Santos alerta que a continuidade da guerra tarifária pode mudar esse cenário rapidamente. “Tudo ainda é muito imprevisível, é difícil traçar projeções firmes no momento”, afirma.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, destaca que os preços de algumas commodities já vinham em trajetória negativa, e o conflito comercial apenas agravou esse quadro. “As perspectivas para o petróleo e outras matérias-primas já não eram boas, e pioraram com o temor de uma desaceleração global”, observa. O minério de ferro, por exemplo, atingiu em março seu nível mais baixo desde setembro de 2024.
O dólar, que chegou a ultrapassar R$ 6 na semana passada — o maior patamar desde janeiro —, recuou para R$ 5,87 com a notícia de que Trump suspenderia parte das tarifas para países que se dispuserem a negociar com os EUA, ao mesmo tempo em que aumentou as taxas para a China para 125%.
No caso dos bens manufaturados, no entanto, o efeito cambial tende a ser mais limitado. Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), fatores estruturais têm mais peso nesse segmento do que as variações conjunturais de preço ou câmbio. “Exportar manufaturados exige acesso a cadeias produtivas, confiabilidade, serviços pós-venda. O câmbio por si só não garante competitividade”, avalia.
Cagnin também chama a atenção para os efeitos colaterais da guerra comercial. Embora o Brasil possa se beneficiar pontualmente com mais espaço no mercado americano, o desvio das exportações chinesas para outras regiões — incluindo o Brasil — tende a exercer uma pressão muito maior e duradoura. “Já temos estudos mostrando que cerca de 40% do aumento da penetração de bens industriais no Brasil desde a década passada vem da China. Em setores de alta densidade tecnológica, esse número chega a 100%”, afirma.
Assim, embora o início de 2025 tenha sido favorável em termos de rentabilidade para o exportador brasileiro, o cenário global continua altamente volátil e marcado por riscos geopolíticos e macroeconômicos que podem mudar rapidamente o equilíbrio entre ganhos cambiais, custos e preços internacionais.