Saída de dólares do Brasil pela conta financeira é a segunda maior da história
Fuga de capitais do Brasil ainda não pesa sobre o real, mas limita apreciação; até dezembro, envio sazonal de recursos para o exterior pode se tornar um problema

Entre janeiro e setembro de 2024, a saída de dólares do Brasil pela conta financeira somou US$ 52,4 bilhões, tornando-se a segunda maior da história para esse período, segundo dados do Banco Central. O fluxo negativo deste ano já ameaça superar 2020, quando os efeitos da pandemia provocaram uma intensa fuga de capitais.

A saída de recursos do Brasil tem sido influenciada por fatores como os juros elevados nos Estados Unidos e a atratividade da bolsa americana, especialmente impulsionada pelo setor de inteligência artificial (IA), o que afetou mercados emergentes como um todo. No caso brasileiro, porém, a saída de dólares foi mais estrutural, resultante de investimentos de brasileiros no exterior, gastos com criptoativos e apostas esportivas (bets).

Esse movimento de retirada pela conta financeira tem limitado a apreciação do real, que poderia ser mais robusta devido ao ingresso de dólares provenientes das exportações. Por enquanto, o saldo líquido do fluxo cambial segue positivo, mas, até o final do ano, há a possibilidade de uma reversão que possa pressionar a moeda brasileira.

Expectativas para o fim do ano: saídas adicionais e desafios

O fim do ano é tradicionalmente marcado por uma saída de capitais, e a tendência observada até agora deve continuar, conforme afirma Andrea Damico, CEO e economista-chefe da consultoria Buysidebrazil. A previsão é que, caso mais US$ 2 bilhões saiam entre outubro e dezembro, o fluxo financeiro de 2024 ultrapasse o recorde de 2020.

Historicamente, os últimos meses do ano, especialmente dezembro, são períodos de saída consistente de dólares do país, devido a remessas de multinacionais para suas matrizes e ao pagamento de dividendos ao exterior. Em 2020, por exemplo, o fluxo negativo foi parcialmente contido por uma entrada de US$ 5,5 bilhões em novembro, mas esse cenário não deve se repetir em 2024, segundo a economista Iana Ferrão, do BTG Pactual.

Perspectivas do mercado e influência dos investimentos em criptoativos e bets

A recente saída de dólares também tem sido monitorada de perto pelo mercado devido ao impacto dos investimentos em criptoativos e apostas esportivas, que se tornaram uma nova fonte de fuga de recursos do país. Há preocupações de que esse movimento possa não apenas afetar as contas externas, mas também exercer pressão sobre o câmbio.

Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Investimentos, ressalta que, apesar da saída expressiva de dólares pela conta financeira, o fluxo cambial acumulado no ano segue positivo graças ao saldo comercial. “Obviamente, se esse fluxo financeiro [de saída] fosse mais fraco, deveríamos ter um real mais valorizado”, avalia. Até agora, o saldo cambial está positivo em cerca de US$ 6 bilhões, mas essa vantagem pode diminuir no fim do ano, quando as exportações tendem a enfraquecer.

Incertezas para o último trimestre de 2024

A sazonalidade das exportações, com maior concentração no início do ano, e os preços das commodities menos favoráveis em comparação ao ano passado são fatores que podem enfraquecer o fluxo comercial no último trimestre de 2024. Ferrão, do BTG Pactual, alerta que, se não houver um aumento significativo de investimentos estrangeiros diretos (IDP) ou em carteira, a saída de dólares pela conta financeira poderá se intensificar, colocando pressão sobre o câmbio.

Ainda há expectativa de que a queda dos juros nos EUA possa favorecer uma realocação de capitais para o Brasil, especialmente em investimentos em renda fixa. Em agosto, houve uma entrada de US$ 2,6 bilhões via investimentos em títulos da dívida, mas Goldenstein enfatiza que esse movimento deve ser gradual e não necessariamente ocorrerá de forma expressiva até o final de 2024.

Desafios adicionais: pagamento de dividendos e economia doméstica

Um fator que pode acelerar a saída de dólares no fim do ano está relacionado ao pagamento de dividendos, impulsionado pelo desempenho positivo da economia brasileira e um mercado de trabalho aquecido. Com resultados mais robustos, as empresas tendem a enviar mais recursos para suas matrizes no exterior. No entanto, a desvalorização do real ao longo de 2024 pode reduzir o valor desses repasses em dólares.

“Pode ter uma queda na saída de capitais por conta da depreciação da moeda brasileira, mas o fluxo não vai ser muito diferente do que vimos no ano passado”, avalia Goldenstein.

Com as incertezas econômicas e a combinação de fatores internos e externos, o último trimestre de 2024 se apresenta como um desafio para a manutenção da estabilidade do fluxo cambial no Brasil, com o risco de que a saída de dólares atinja novos recordes e pressione ainda mais o mercado financeiro nacional.

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