Saída de dólares do Brasil via criptoativos e apostas esportivas gera alerta para economistas
Dados do Banco Central (BC) indicam que o fluxo negativo de dólares no Brasil pela conta financeira se mantém elevado em 2024, alcançando cerca de US$ 48 bilhões até agosto

A crescente saída de dólares do Brasil motivada pela compra de criptoativos e pelas apostas esportivas (bets) tem sido monitorada por economistas e operadores de câmbio. Apesar de, no momento, não ameaçar as contas externas do país, há um temor no mercado de que, em um futuro próximo, esse fluxo possa afetar tanto o equilíbrio das contas externas quanto a cotação do câmbio doméstico, que já vem sofrendo pressão dessa vazão de capital.

Dados do Banco Central (BC) indicam que o fluxo negativo de dólares no Brasil pela conta financeira se mantém elevado em 2024, alcançando cerca de US$ 48 bilhões até agosto, mesmo com uma melhora no fluxo de capitais para a bolsa brasileira no início do segundo semestre. Um dos fatores que chama a atenção é a crescente saída de recursos das rubricas de criptoativos e de serviços recreativos (categoria que inclui as apostas). Juntas, essas duas áreas totalizaram US$ 14,7 bilhões entre janeiro e agosto, o que equivale a 30% do resultado líquido da conta financeira nesse período.

Cenário atual e preocupações futuras

Apesar da baixa vulnerabilidade externa, a economista Iana Ferrão, do BTG Pactual, alerta que o fluxo de saída de capital é significativo, enquanto a entrada líquida de recursos no país não é tão forte quanto o necessário. Ela destaca que, embora a conta corrente do Brasil tenha deixado de contabilizar essas saídas após mudanças metodológicas do Banco Central, a inclusão dos criptoativos no balanço de pagamentos revelaria um resultado líquido menor.

No acumulado de 12 meses até agosto, o Brasil registrou uma entrada de US$ 70,6 bilhões por meio do Investimento Direto no País (IDP), valor suficiente para cobrir o déficit de US$ 38,6 bilhões nas transações correntes. No entanto, se as saídas de criptoativos fossem incluídas, o saldo negativo alcançaria US$ 54,8 bilhões, reduzindo a "folga" proporcionada pelo IDP. "É preciso considerar também que o déficit em conta corrente aumentou devido à maior importação, diante de uma economia mais forte", comenta Luís Afonso Fernandes Lima, chefe de pesquisa da Mapfre Investimentos. "Apesar de a exportação continuar robusta, o superávit não é o mesmo do ano passado."

Criptoativos: uma dinâmica incerta

O mercado de criptoativos traz um nível de incerteza para as contas externas do Brasil. Segundo Lima, não é possível prever quais são os vetores que influenciam esse fluxo de saída. "Não há como estimar o que vai acontecer. Não é igual a um título público, onde a taxa de juros dita a dinâmica. Temos uma perspectiva de maior incerteza sobre o balanço de pagamentos e, consequentemente, sobre a taxa de câmbio, que pode se tornar mais volátil."

Iana Ferrão, do BTG, explica que um dos fatores que contribui para o aumento das saídas de capital via criptoativos é o uso dessas moedas digitais como meio de pagamento. Empresas de apostas online e plataformas que facilitam transferências internacionais estão utilizando criptoativos, especialmente stablecoins, para transações mais rápidas e econômicas. "Sabemos que algumas empresas de apostas online e algumas plataformas que fazem transferências internacionais estão usando criptoativos para pagamentos, pois a transação é mais rápida e barata", comenta.

Implicações para o câmbio e a economia

Esse cenário levanta preocupações sobre a subestimação do déficit em conta corrente. Segundo Ferrão, se as saídas relacionadas a criptoativos e apostas estivessem contabilizadas como serviços recreativos ou viagens, a perspectiva da conta corrente seria diferente. Um possível indício dessa subestimação é o fato de que, apesar do número de brasileiros viajando para o exterior já ter voltado aos níveis pré-pandêmicos, os valores na conta de viagens internacionais do balanço de pagamentos estão inferiores aos registrados antes da pandemia.

Para Pedro Guimarães, líder de produtos do Ouribank, o volume de despesas com criptomoedas na conta capital é grande demais para se limitar a investidores especulativos ou à dolarização com stablecoins. "Pode haver relação com o crescimento do mercado de bets ou outras empresas que operam no país, mas com sede no exterior. Pode haver empresas tentando criar seus próprios trilhos de pagamentos para o exterior com cripto."

Mercado cético e riscos regulatórios

Embora novas regulamentações para as empresas de apostas online possam, eventualmente, reduzir a saída de capital via bets, o mesmo não pode ser dito para o mercado de criptoativos. O chefe de tesouraria de um grande banco, que preferiu não se identificar, destaca que ainda não existem regras para restringir essa fuga de capital. "Muitos brasileiros ainda não conhecem ou não têm familiaridade com os criptoativos, mas há um potencial enorme de crescimento conforme mais pessoas tenham acesso a essas moedas digitais."

Lívio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado da FGV/Ibre, traz uma visão um pouco diferente, não vendo necessariamente um problema no crescimento dos volumes em criptoativos e apostas. "A preocupação maior seria se parte desse avanço estiver relacionada a atividades ilegais", pondera. Ele também destaca que a classe média e a classe média alta no Brasil têm se interessado por criptoativos, em vez de investimentos tradicionais, como fundos DI.

O cenário atual é complexo e envolve múltiplos fatores que influenciam as saídas de capital do Brasil. As perspectivas para o mercado de câmbio e para a política monetária tornam-se mais incertas, à medida que o impacto da expansão dos criptoativos e das apostas esportivas ainda não está totalmente claro, mas já se mostra relevante para a economia do país.

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