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A ministra do Planejamento, Simone Tebet, usa duas expressões para definir a missão inadiável de 2025, a composição de um cardápio de corte de gastos orçamentários: “Não dá mais para trabalhar no varejo” e é preciso “colocar o dedo na ferida” dos gastos públicos.
A missão vinha há muito sendo cobrada por setores empresariais que a apoiaram na disputa presidencial quando contemplou esta plataforma de racionalização do gasto. Como ministra de um governo cujo compromisso eleitoral foi o de recompor os gastos sociais, explica, seu foco no orçamento teve que readequar prioridades.
Não poderia ignorar o resgate de políticas públicas que, por quatro anos, deixaram o Minha Casa Minha Vida sem obras na faixa 1, a de mais baixa renda, a merenda escolar sem reajuste, servindo suco em pó, e ainda devolveram o país de volta ao mapa da fome.
Em seguida, precisou dar continuidade ao projeto de “Rotas de Integração Sul-Americana”, que já havia se iniciado na Pasta e para o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu prioridade. Foi sua dedicação a este projeto que a levou a traçar um roteiro de viagens para os dois lados da fronteira - Estados brasileiros que a margeiam e países do outro lado.
É a este projeto - e não ao abandono dos planos para o corte de gastos - que atribui à menor frequência de sua dobradinha com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com quem continua a pegar carona de volta a Brasília quando vem a São Paulo ver as filhas que moram na capital paulista.
No varejo da racionalização do gasto estão a avaliação do Cadastro Único do Bolsa Família, que gerou uma economia de R$ 7 bilhões e ainda a reavaliação em curso do Proagro (garantia de pagamento do financiamento agrícola em quebra de safra de pequenos e médios produtores) e do seguro-defeso (destinado a pescadores).
E no atacado? A ministra chega, então, ao escopo do impacto fiscal dos benefícios que podem vir a ser atingidos ao final do levantamento levado a cabo pela Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, criada no início do governo numa sinalização da disposição de levar adiante a empreitada. Desde fevereiro do ano passado esta secretaria é conduzida pelo economista e professor do Insper, Sergio Firpo.
No cardápio das propostas discutidas está a desvinculação dos benefícios da Previdência Social da política de valorização do salário mínimo. Esta política, que assegura a correção do mínimo pelo crescimento do PIB de dois anos anteriores e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano que antecede a fixação do valor do salário, compõe, ao lado do Bolsa Família, na sua visão, os dois programas sociais de maior impacto e de grande importância para a alavancagem da renda na economia, cláusula pétrea do programa de governo.
Duvida, porém, que o país tenha fôlego fiscal para estender indefinidamente a política de valorização aos benefícios previdenciários, ao seguro-desemprego, ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e ao abono salarial. “Vamos ter que fazer isso pela convicção ou pela dor”, diz, ressalvando que a proposta é cumprir a Constituição e corrigir pela inflação.
O cardápio não para por aí. O Planejamento também faz simulações para a incorporação do Fundeb ao piso constitucional da educação. O governo é obrigado a gastar 18% da receita líquida de impostos com a área. Atribui à “irresponsabilidade” do ex-ministro Paulo Guedes a aceitação, sem resistência do governo passado, da emenda constitucional que aumentou, de maneira escalonada, de 10% para 23% (em 2026) a participação da União no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Estima que essa medida pode ter um impacto em torno de R$ 40 bilhões em três a quatro anos, com a ressalva de que todas as simulações são embrionárias. A PEC, aprovada em 2020, teve apoio do PT, mas a ministra espera que o debate esteja amadurecido sobre a necessidade de cumprir a meta fiscal sob os ditames constitucionais, que reservam ao ensino superior a responsabilidade da União na educação, cabendo o ensino básico a Estados e municípios.
Não concorda com a extensão da proposta ao piso da saúde, porque acha que a pressão por gastos no setor tornaria a medida inócua. Nem tampouco vê viabilidade de um piso único para saúde e educação calibrado em função das necessidades específicas da população de Estados e municípios. Dá por inviável a preservação da autonomia dos gestores face ao compartilhamento do gasto.
A convergência do ministro da Fazenda com esta pauta é evidente, mas a ministra faz questão de ressaltar que todo o cardápio de propostas passará por Haddad e que é a Junta de Execução Orçamentária que poderá levá-la ao presidente. Na véspera, o ministro havia recomendado no X (o ex-Twitter) um artigo do economista Bráulio Borges, no Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, em que ele não apenas propõe a desvinculação do piso previdenciário e do BPC do salário mínimo, como vai adiante.
Sugere ainda reduzir a renúncia de receita do Simples Nacional e do programa do Microempreendedor Individual (MEI), bem como a desoneração horizontal da folha de pagamentos. A ministra não havia lido o artigo mas diz que Simples e MEI estão no radar.
O problema não é incluir propostas nesse cardápio, mas receber o aval do Congresso e do presidente. Cresce, na área econômica do governo, a percepção de que o segundo aval é mais difícil que o primeiro, particularmente à medida que a sucessão de 2026 se aproxima. “Tenho que deixar pronto o cardápio de ajustes para o presidente Lula decidir se e quando poderá levá-lo adiante”, diz.
Quando as metas fiscais foram discutidas em 2023, Simone havia sugerido que o resultado primário de 2025 ficasse em zero, o que levou muita gente a dizer que ela estava “à esquerda” de Haddad. Em abril, o ministro anunciou a redução da meta do próximo ano, de um superávit de 0,5% do PIB para zero. Divergências como esta foram apontadas como indício de afastamento entre ambos. Simone Tebet descarta e diz que o que tornou a dobradinha menos frequente é sua dedicação às rotas de integração sul-americanas.
Abre o celular para mostrar o mapa do Brasil pintado com os destinos das exportações do país nos últimos 30 anos. De uma multiplicidade de bandeiras, o mapa finda num território nacional quase inteiramente pintando do vermelho da China. Esse é o ponto de partida das rotas para integrar a produção agropecuária nacional ao Pacífico, que podem reduzir o trânsito de mercadorias para a Ásia em até 21 dias.
Vale-se do argumento de que apenas 14% do comércio da América do Sul é regionalizado, enquanto nos EUA chega a 40%, na Ásia, a 58% e na União Europeia, a 68%. E cabe na meta fiscal? Ao mostrar o plano a Haddad, num voo para Brasília, disse que rasgaria todos os mapas se batesse à sua porta para pedir dinheiro para viabilizá-lo.
Diz que as rotas já estão traçadas, faltando uma ponte aqui, uma alça de acesso acolá, e trechos localizados de estradas e ferrovias. Bastou uma negociação com governadores dos Estados de fronteira para que incluíssem as obras na cota de cada um no PAC e um acerto com quatro fontes de financiamento - Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), BNDES, Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e Fonplata - para que, nos próximos três anos, US$ 10 bilhões sejam colocados à disposição de projetos de integração nos municípios fronteiriços do Brasil e de seus vizinhos.
Se essas rotas não a afastaram do ministro da Fazenda, a aproximaram do presidente da República, que vai para a plateia nos eventos em que apresenta o projeto, e do seu eleitorado natal no Mato Grosso do Sul, um dos Estados fronteiriços que têm nas rotas uma prioridade de décadas.
Desde sua adesão à candidatura Lula, no segundo turno de 2022, depois de terminar o primeiro com 4,2% dos votos, Simone Tebet enfrentou resistências no Estado em que seu pai (Ramez Tebet) foi governador e pelo qual foi eleita ao Senado em 2014. Sofreu hostilidades no prédio em que morava e já não tinha clima nem mesmo em festas de aniversários.
O clima mais desanuviado no Estado em que Simone Tebet diz já terem sido investidos no primeiro ano do governo Lula mais do que nos quatro de Jair Bolsonaro, coloca seu nome na bolsa de apostas para o time de ministros que o presidente prepara para reforçar a bancada governista num Senado crescentemente hostil.
A ministra nega, valendo-se do mesmo argumento que usava ao fim da disputa presidencial de 2022, o de que depois de ter entrado na política aos cinco anos de idade, na primeira campanha do pai, está na hora de pendurar as chuteiras, mas parece deixar uma fresta para a possibilidade de voltar à Casa caso a ameaça do radicalismo de extrema-direita no Congresso Nacional se materialize.
(Valor Econômico)