Convencer a sociedade brasileira da necessidade de um ajuste fiscal depois das eleições de 2026 será um dos maiores desafios do próximo governo, independentemente de quem vença o pleito. A avaliação é de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, que enxerga no atual ciclo de crescimento, sustentado por forte expansão de gastos, um cenário que pode dificultar a aceitação de medidas impopulares.
Segundo Ramos, o país viveu três anos de crescimento econômico considerado “razoável”, impulsionado por estímulos fiscais que funcionaram como “esteroides” para a atividade. Esse tipo de política, afirma ele, gera uma sensação de bem-estar de curto prazo, mas deixa uma fatura pesada para ser paga depois. O risco é que, com inflação e juros ainda elevados, o próximo presidente tenha que aplicar um remédio amargo em um momento em que a população não percebe a urgência de ajustes.
O economista comparou a situação brasileira com a da Argentina, onde Javier Milei conquistou apoio popular para um ajuste duro em meio a crise aguda de recessão, hiperinflação e empobrecimento. No Brasil, ao contrário, a percepção de melhora relativa da economia pode criar resistência social a mudanças estruturais, ainda que a necessidade fiscal seja evidente.
Ramos destaca que um ajuste efetivo exigirá enfrentar pontos de alta rigidez orçamentária, como vinculações obrigatórias de gastos em saúde e educação e a regra do aumento real do salário mínimo. Mas lembra que o Congresso brasileiro dificilmente se apresenta como defensor da disciplina fiscal, já que as disputas políticas giram em torno de quem será o responsável por patrocinar novas despesas. Essa dinâmica pode dificultar reformas constitucionais necessárias para mudar o perfil do gasto.
O problema fiscal do país não é novo, mas se agravou nos últimos anos, limitando cada vez mais o espaço de manobra do governo. Ramos observa que, em vez de aproveitar os anos de crescimento e arrecadação elevada para gerar superávits, a administração dobrou a aposta nos estímulos, aumentando a carga tributária sem melhorar a qualidade do resultado fiscal. Para ele, o Brasil já gastou “munição” subindo impostos sem resolver o desequilíbrio estrutural.
A economia, diz, mostra sinais claros de desaceleração após rodar acima do potencial nos últimos anos. Apesar de juros nominais em 15% e reais próximos de 10% — patamares que, em tese, sinalizariam recessão — o país não colapsou, em parte porque políticas de crédito e subsídios atenuaram os efeitos da política monetária. Essa contradição, segundo ele, mostra como o “ativismo fiscal” enfraqueceu o impacto dos juros na contenção da inflação.
Ramos não espera um colapso fiscal em 2026, mas alerta que a estratégia atual não é sustentável. Ele defende que o ajuste deveria ter começado enquanto a economia crescia, aproveitando o ciclo positivo para gerar resultados primários robustos. Agora, com a atividade em moderação, será inevitável que a política fiscal substitua parte do esforço da política monetária, sob risco de o país conviver por mais tempo com juros elevados e inflação resistente, sobretudo nos serviços.
“O remédio e o veneno podem ser o mesmo: a diferença é a dosagem”, resumiu. Para Ramos, sem uma guinada fiscal consistente, o Brasil corre o risco de prolongar desequilíbrios que, mais cedo ou mais tarde, exigirão ajustes mais duros e socialmente mais custosos.