Ainda que de forma embrionária, o mercado financeiro começou a discutir a possibilidade de o Banco Central antecipar o ciclo de cortes na taxa Selic caso a deterioração no mercado de crédito privado se agrave nos próximos meses. Até recentemente, a leitura predominante entre investidores era de que a autoridade monetária só reduziria os juros em 2026, com o início do ciclo previsto para março. Agora, porém, parte dos operadores já começa a precificar a chance de mudanças ainda em 2025.
A discussão ganhou espaço nas mesas de operação ao longo da última sexta-feira e, mesmo incipiente, já se refletiu na precificação dos ativos. Em condições normais, episódios de forte valorização do dólar costumam contaminar o mercado de juros, elevando as taxas de curto prazo — reflexo do risco de pressões inflacionárias adicionais. No entanto, o movimento observado foi o oposto: a taxa do DI com vencimento em janeiro de 2027 recuou de 14,025% para 14,00%, contrariando a lógica tradicional do mercado.
Segundo estrategistas de grandes bancos, essa reação indica que parte dos investidores começa a considerar que um evento de crédito mais severo poderia gerar instabilidade financeira suficiente para levar o Banco Central a revisar sua postura e adotar uma política monetária menos restritiva. A leitura é que um aperto mais forte no crédito privado poderia frear a atividade econômica, abrindo espaço para um corte de juros antecipado.
Essa percepção foi compartilhada por operadores de grandes instituições, que destacaram que a ala mais “dovish” — favorável a juros mais baixos — não se mostrou incomodada com a recente valorização do dólar, justamente porque interpreta o movimento cambial como um fator que pode acelerar a discussão sobre cortes na Selic. Ainda assim, a leitura é vista como precipitada. “O mercado parece estar extrapolando a ideia de que o aperto no crédito vai limitar a atividade e levar o BC a antecipar cortes de juros. Acho essa leitura muito prematura e distante da cabeça do comitê neste momento”, avaliou um trader ouvido pelo mercado.
O episódio lembra o que ocorreu no início de 2023, quando o mercado também chegou a precificar cortes antecipados dos juros em resposta ao estresse causado pela fraude contábil da Americanas. Na ocasião, o Banco Central manteve a Selic inalterada e só iniciou o ciclo de afrouxamento monetário em agosto daquele ano, reforçando a mensagem de que movimentos pontuais não bastam para mudar a estratégia da política monetária.