O avanço do mercado de certificados de operações estruturadas (COEs) de crédito no Brasil tem revelado uma nova dinâmica de risco entre investidores e emissores. Vendidos como produtos de capital protegido, esses instrumentos já somam quase R$ 100 bilhões em patrimônio, segundo dados da B3, e vêm atraindo um número crescente de pessoas físicas. No entanto, ao menos um terço das companhias associadas a esses papéis apresenta elevada alavancagem financeira, com dívida líquida superior a três vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda).
O levantamento considera apenas empresas brasileiras cujos títulos de dívida externa servem de base para a estruturação de COEs. Entre os nomes envolvidos estão Ambipar, Braskem, Raízen, Simpar, CSN e Cosan. Os casos mais recentes de liquidação antecipada de produtos vinculados às duas primeiras acenderam o alerta entre investidores e reguladores.
Na Ambipar, 20% dos bonds da companhia estavam atrelados a COEs quando o pedido de medida cautelar pré-recuperação judicial, feito em 2024, acionou cláusulas contratuais de vencimento antecipado. Os investidores receberam apenas 6,88% do valor aplicado. No caso da Braskem, o anúncio de contratação de assessores para reestruturar a dívida levou a uma queda acentuada no preço dos títulos e à ativação das mesmas cláusulas, resultando em pagamentos entre 26,62% e 36,97% do montante inicial.
Apesar da presença de companhias alavancadas nessas estruturas, fontes de mercado afirmam que o volume financeiro desses COEs ainda é baixo. A maioria das operações está associada a papéis soberanos, como títulos do Tesouro dos Estados Unidos, ou a empresas de grau de investimento elevado, como a Vale. Mesmo entre as companhias mais endividadas, a exposição tende a ser limitada: estimativas indicam que apenas 3% dos títulos da CSN e da Raízen e cerca de 20% da Simpar estejam ligados a COEs.
Os COEs de crédito foram autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 2024, em resposta à demanda do mercado por produtos mais diversificados. Diferentemente do COE tradicional — que combina renda fixa e variável com foco na preservação do capital —, o modelo de crédito carrega risco direto de inadimplência do emissor. Essas novas estruturas foram inspiradas em notas estruturadas negociadas no exterior e passaram a incluir empresas e títulos privados no lugar de índices ou moedas.
Especialistas afirmam que, em um ambiente de juros altos e empresas pressionadas por endividamento, o mercado passou a explorar oportunidades de arbitragem de preço entre os bonds internacionais e os COEs emitidos no Brasil. Essa tendência ampliou o número de companhias mais alavancadas vinculadas aos produtos, ao mesmo tempo em que aumentou o potencial de retorno — e de risco — para investidores.
O consultor de mercado Fabio Zenaro, ex-diretor da B3 e autor de um livro sobre o tema, avalia que a estrutura do produto em si não é o problema, mas que a adequação ao perfil do investidor precisa ser revista. “O que deve ser avaliado é se esses produtos estão sendo ofertados de maneira adequada e para o público certo”, afirmou.
As recentes liquidações, segundo especialistas, devem levar o mercado a uma revisão das práticas de diligência e distribuição. Fontes afirmam que, na maioria dos casos, os COEs de crédito de maior risco não chegam ao investidor de varejo, sendo estruturados sob demanda para investidores profissionais. Ainda assim, o caso Ambipar, cujo produto foi amplamente distribuído ao público pessoa física, serviu como alerta sobre a necessidade de maior transparência.
Procurada, a Simpar afirmou que mantém estrutura de capital sólida e destacou que os COEs de crédito são produtos estruturados por instituições financeiras, sem relação direta com suas decisões de financiamento. As demais empresas citadas não se manifestaram.








