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A disparada nas taxas dos títulos do Tesouro americano reacendeu o temor de uma crise de crédito global. Na última semana, o rendimento da T-note de 10 anos saltou de 4,009% para 4,494%, marcando a maior alta semanal desde 2001 e retornando a patamares não vistos desde fevereiro. Já o juro dos T-bonds de 30 anos ultrapassou 4,87% e chegou a operar na casa dos 5%, refletindo uma forte pressão vendedora nos mercados. O movimento é acompanhado por uma valorização do ouro e de moedas como euro, iene e franco suíço, ao passo que cresce a desconfiança dos investidores em relação à dívida americana.
Embora os níveis absolutos das taxas já chamem atenção, o ritmo acelerado de deterioração do mercado de Treasuries é o que mais preocupa analistas e gestores. O chefe de pesquisa global do Barclays, Ajay Rajadhyaksha, foi direto: “O mercado de Treasuries está em apuros”. Segundo ele, mesmo em um cenário de aversão ao risco — que, historicamente, favorece esses papéis — não há demanda significativa. Esse desinteresse revela, segundo Rajadhyaksha, uma mudança estrutural na forma como os investidores globais enxergam os ativos americanos. “Para quem já questiona a exposição excessiva aos EUA, alternativas começam a ganhar espaço.”
A pressão crescente tem como pano de fundo as tarifas agressivas do presidente Donald Trump sobre importações, que já elevaram a alíquota tarifária efetiva para 22%. Em momentos de tensão, o esperado seria um aumento da busca por ativos considerados seguros, como os Treasuries. No entanto, o oposto ocorre. Os spreads de crédito disparam, e os Credit Default Swaps (CDS) — instrumentos que funcionam como seguro contra calote — dos EUA sobem fortemente. O CDS de seis meses saltou 61% no mês, enquanto o de cinco anos avançou mais de 34%, ao passo que os equivalentes alemães se mantiveram praticamente estáveis.
Segundo o economista Alex Lima, ex-trader do Fed de Nova York, o cenário de escassez de liquidez e colateral nos mercados tem forçado hedge funds a liquidarem posições abruptamente. Em publicações recentes, Lima alertou que a guerra comercial impulsionada por Trump pode estar forçando o sistema a um ponto de ruptura. Para ele, o risco de uma crise de crédito que empurre os EUA para a recessão é real. "A Casa Branca pode ter que abrir diálogo com a China rapidamente", afirmou.
Apesar da deterioração, o Federal Reserve tem evitado qualquer sinal de intervenção. A presidente da distrital de Boston, Susan Collins, garantiu que o Fed está preparado para agir, se necessário, mas destacou que os mercados ainda funcionam de maneira ordenada. Já Neel Kashkari, de Minneapolis, observou que a recente queda do dólar após a imposição das tarifas “reforça a ideia de mudança no comportamento dos investidores”.
No mercado de crédito, os sinais de estresse são cada vez mais evidentes. O spread entre os papéis de alto risco (high yield) e os Treasuries saltou de 3,05 pontos percentuais em março para 4,42, alcançando o maior patamar desde a crise dos bancos regionais nos EUA em 2023. Essa busca por prêmios adicionais de risco também atinge títulos de maior qualidade (high grade), ampliando o custo de captação em todo o mercado.
Ainda assim, a equipe da HSBC Asset Management avalia que o atual estresse não é comparável a episódios anteriores que culminaram em recessões. De acordo com os analistas da gestora, os fundamentos permanecem sólidos: balanços corporativos seguem robustos, lucros continuam saudáveis e os vencimentos de dívida no curto prazo não representam uma ameaça imediata. Para eles, o movimento de reprecificação está mais alinhado a choques pontuais, como os das tarifas de 2019, o aperto monetário de 2022 ou a crise bancária de 2023.
Nesse ambiente, a recomendação da HSBC é clara: adotar uma gestão ativa mais rigorosa, priorizar títulos com grau de investimento e manter cautela diante da elevada volatilidade. Afinal, embora os elementos que precedem uma crise generalizada ainda não estejam plenamente configurados, o mercado de Treasuries segue sob intensa pressão — e seu comportamento pode definir o rumo da economia global nas próximas semanas.