Analistas afirmam que liberar o FGTS é medida eleitoreira e pode fazer BC aumentar juro
Especialistas apontam que a iniciativa pode prejudicar os esforços do Banco Central para conter a inflação

A medida provisória (MP) que libera os valores retidos pelo saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi publicada pelo governo em um momento considerado inoportuno por economistas, que enxergam na decisão uma tentativa de recuperar a credibilidade com o eleitorado. Especialistas apontam que a iniciativa pode prejudicar os esforços do Banco Central para conter a inflação, já que atua no sentido oposto, estimulando a economia em um cenário de juros elevados.

O governo estima que a liberação dos recursos pode injetar cerca de R$ 12 bilhões na economia, mas o impacto dessa quantia não é o principal motivo de preocupação. O que gera apreensão é a sinalização de um novo afrouxamento fiscal, reforçando a percepção de que o governo pode recorrer a medidas expansionistas para recuperar popularidade. Para efeito de comparação, o valor liberado pelo FGTS é muito inferior ao impacto do pagamento do décimo terceiro salário, que movimentou R$ 321,4 bilhões em 2024, segundo cálculos do Dieese.

Lucas Sigu Souza, sócio-fundador da Ciano Investimentos, minimiza o efeito direto da medida, destacando que a economia brasileira já gira mensalmente cerca de R$ 250 bilhões apenas com a massa salarial. No entanto, avalia que a decisão reflete uma tentativa de melhorar a imagem do governo. Desde que pesquisas apontaram uma queda na aprovação do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, surgiram receios de que o Executivo possa adotar políticas expansionistas para tentar reverter essa tendência.

O momento para essa liberação também não é visto como adequado por especialistas, que alertam que, embora o impacto isolado da medida possa ser limitado, ela faz parte de um conjunto de iniciativas de estímulo fiscal que, combinadas, podem manter a inflação elevada. A economia brasileira já apresenta um ritmo de crescimento forte, o que tem sustentado a pressão sobre os preços. Além da MP do FGTS, o governo anunciou outras medidas, como o programa Pé-de-Meia, que oferece incentivos financeiros para estudantes permanecerem na escola, e a criação de uma nova modalidade de crédito consignado para trabalhadores do setor privado.

Essas ações ocorrem em um contexto de inflação ainda acima da meta do Banco Central, que fechou 2024 acima do limite estabelecido. Nos 12 meses encerrados em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 4,56%, acima do teto da meta, que é de 4,5%. Para tentar conter essa pressão inflacionária, o Banco Central vem adotando uma política monetária restritiva, elevando a taxa Selic, que alcançou 13,25% ao ano em janeiro e pode subir mais um ponto percentual na próxima reunião do Copom, em março.

Diante desse cenário, o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, vê dois problemas principais na medida provisória. O primeiro está no impulso dado à atividade econômica em um momento em que o Banco Central tenta desacelerar o crescimento para conter a inflação. O segundo diz respeito à possibilidade de descapitalização do FGTS, comprometendo políticas financiadas pelo fundo. Ele também ressalta que o governo tem autorizado saques especiais do FGTS com frequência nos últimos anos, mas que a conjuntura atual exige mais cautela.

Outro ponto de preocupação é a antecipação de um cenário eleitoral ainda distante. Salto observa que, ao contrário de anos anteriores, a liberação dos recursos ocorre em um momento em que o Produto Interno Bruto (PIB) já opera acima do seu potencial, e sem a justificativa de um ano eleitoral. Para ele, esse movimento pode ser interpretado como um sinal de que o governo está disposto a recorrer a estímulos econômicos para recuperar apoio político, o que poderia fragilizar ainda mais o ambiente macroeconômico.

Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, reforça que a medida vai na contramão do esforço do Banco Central para equilibrar o crescimento da economia e permitir um processo de desinflação sustentável. Ele reconhece que a liberação do FGTS, isoladamente, pode não ser suficiente para sustentar a inflação, mas argumenta que ela faz parte de um quadro maior que já preocupava o mercado, principalmente em relação à situação das contas públicas.

Para Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, o momento escolhido para a medida foi equivocado. Ele destaca que a liberação do FGTS é um instrumento fiscal útil, mas que deveria ser empregado apenas em momentos estratégicos, quando há necessidade real de impulsionar a economia. Ele também alerta que a MP se soma a outras políticas que estimulam o consumo, ampliando a demanda agregada e contribuindo para manter a inflação pressionada.

redacao
Conta Oficial Verificada