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O fluxo cambial brasileiro registrou uma forte saída de recursos nos primeiros três meses de 2025, marcando o pior desempenho para um primeiro trimestre desde o início da série histórica do Banco Central, em 1982. Segundo dados divulgados nesta quinta-feira (10), US$ 15,8 bilhões deixaram o país entre janeiro e março, superando o antigo recorde negativo de US$ 13,7 bilhões em 1999, ano da maxidesvalorização do real.
Apesar da fuga expressiva de dólares, o dólar comercial terminou o trimestre em queda de 7,6% frente ao real, impulsionado pelo desmonte de posições compradas na moeda americana no mercado de derivativos. Ou seja, embora a saída de recursos tenha sido intensa, o movimento não se refletiu em uma disparada do câmbio.
Segundo especialistas, o desempenho fraco do fluxo cambial é resultado da combinação de uma conta financeira negativa com uma conta comercial menos robusta do que o esperado. Historicamente, o início do ano costuma ser marcado por entrada de divisas por conta da safra agrícola e das exportações de grãos, mas em 2025 esse movimento foi atenuado por uma forte pressão do lado das importações, em meio a uma economia doméstica ainda aquecida.
“Mesmo com uma política monetária restritiva, temos visto uma importação resiliente de bens de consumo e de capital neste começo de ano. Isso tem impactado o fluxo comercial e o financeiro simultaneamente”, explica Marcos da Fonseca, gerente da mesa de mercado do Bradesco.
Fonseca destaca que o ritmo de importações foi suficiente para neutralizar parte da entrada de dólares via exportação, algo incomum para o período. A média diária de câmbio contratado pelos exportadores foi considerada elevada, mas ainda assim inferior à média das importações, comportamento que, segundo ele, pode estar ligado a estímulos econômicos que acabam enfraquecendo os efeitos da política monetária atual.
Ainda assim, ele avalia que esse movimento pode se reverter ao longo do ano, especialmente se a economia doméstica desacelerar e a exportação se intensificar. O cenário, porém, remete ao observado em 2023, quando o escoamento das exportações foi mais gradual, com o produtor esperando um pico do dólar que nunca veio. Em 2025, o câmbio mais valorizado pode estar novamente desincentivando a conversão imediata dos ganhos de exportação.
Outro fator que ajuda a explicar a pressão no fluxo cambial é a antecipação de importações, possivelmente impulsionada pelo temor de novas medidas tarifárias internacionais. Segundo Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, muitas empresas podem ter reforçado seus estoques como forma de proteção.
“O crescimento da importação concentrado em insumos me parece algo estratégico. Mas esse comportamento deve se reverter, até porque custa caro manter produtos estocados”, analisa.
A alta da Selic, por sua vez, tem mostrado pouco efeito em atrair capital para a renda fixa, segundo Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos. Ele lembra que o cenário global ainda é de incerteza, com receios de recessão nos Estados Unidos e o Brasil ainda sem grau de investimento, o que limita a atratividade do país.
Martello acredita, no entanto, que esse quadro pode melhorar no segundo semestre, caso o Federal Reserve (Fed) sinalize uma flexibilização na política monetária.
“Se o risco de recessão americana se dissipar e o Fed der sinais de corte de juros, é possível vermos uma realocação de capital que beneficie o Brasil, especialmente se o BC mantiver a Selic elevada”, avalia.
Em relação aos setores que tradicionalmente drenam dólares — como criptoativos, apostas online e serviços de streaming — Martello afirma que o impacto atual é mais estrutural do que crescente. “Esses ralos de dólares parecem ter atingido um patamar estável, próximo de US$ 20 bilhões ao ano.”
Por fim, outro ponto citado por analistas é o desmonte de posições compradas em dólar no mercado de derivativos, estimado em cerca de US$ 30 bilhões. Embora esse movimento tenha pressionado o câmbio no sentido de apreciação, não representa necessariamente uma saída real de recursos, como observa Fonseca, do Bradesco. “O BC não aponta uma fuga de capital de portfólio significativa este ano, e muitas dessas operações não envolvem fluxo financeiro efetivo.”