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Em meio à intensificação das tensões comerciais com os Estados Unidos, a China deu um passo ousado no mercado global de grãos e adquiriu, só nesta semana, pelo menos 40 cargas de soja brasileira. A informação foi confirmada por fontes com conhecimento direto das negociações, que preferiram o anonimato por não estarem autorizadas a falar com a imprensa. As compras representam cerca de 2,4 milhões de toneladas — o equivalente a quase um terço do volume médio que o país asiático processa por mês.
A ofensiva chinesa tem explicação clara: o agravamento da guerra comercial entre Pequim e Washington. A crise se aprofundou nesta semana, quando o então presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou um aumento das tarifas sobre produtos chineses para 125%. Em resposta, o governo chinês prometeu retaliar com taxas de até 84%. Diante desse cenário, a soja brasileira surgiu como uma alternativa estratégica e economicamente vantajosa.
O movimento chinês foi impulsionado não apenas pela deterioração do ambiente político entre as duas maiores economias do mundo, mas também pela queda recente nos preços da soja brasileira, que haviam subido nos meses anteriores justamente por causa da demanda elevada. Os embarques adquiridos devem ser entregues entre maio e julho, período em que o Brasil domina o mercado global de exportações da oleaginosa.
Ainda que a China tenha adotado uma política de diversificação das suas compras agrícolas nos últimos anos — com o Brasil se consolidando como seu principal fornecedor de soja —, os Estados Unidos ainda figuram como um parceiro relevante, especialmente na segunda metade do ano, quando a nova safra americana entra em cena. No entanto, os riscos comerciais têm afastado os importadores privados chineses dos grãos norte-americanos. Apenas o armazenador estatal seguiu realizando algumas compras pontuais para recompor estoques, inclusive antecipando embarques antes da posse de Trump em janeiro.
Outro fator que incentivou a megacompra foi o aumento das margens de esmagamento dentro do território chinês. Com a valorização do farelo de soja, usada principalmente na alimentação animal, os processadores locais viram uma janela de oportunidade para garantir lucros mais robustos, mesmo diante da instabilidade geopolítica.
Apesar do alívio momentâneo proporcionado pelos estoques brasileiros, analistas alertam para uma possível escassez no quarto trimestre de 2025, período em que a China tradicionalmente volta a recorrer à soja americana. Caso as tensões comerciais persistam, os preços da soja brasileira devem continuar subindo, pressionando os custos e obrigando os esmagadores chineses a agirem com cautela e agilidade sempre que o mercado oferecer alguma folga nos valores.