Dívida pública do Brasil ficará entre as maiores do mundo, projeta FMI
O crescimento do endividamento no Brasil deve superar o da média da América Latina (71,4%)

O Brasil caminha para fechar a década como um dos países com maior endividamento público no mundo. Segundo novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta brasileira deve alcançar 99,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2030, o que colocaria o país na 15ª posição entre 184 nações monitoradas pelo Fundo — sua pior colocação neste ranking desde o início do século. Para efeito de comparação, em 2021, o Brasil ocupava o 35º lugar, com dívida equivalente a 88,9% do PIB.

O crescimento do endividamento no Brasil deve superar o da média da América Latina (71,4%) e se aproximar da média dos emergentes (94,5%), segundo o FMI. O dado brasileiro considera uma metodologia distinta da usada pelo Banco Central: o Fundo inclui os títulos do Tesouro na carteira do próprio BC, o que eleva o total. Ainda assim, analistas afirmam que, independentemente da métrica, a trajetória é insustentável e exigirá ajustes.

De acordo com o economista-chefe da Equator Investimentos, Eduardo Velho, o país só não ultrapassou os 80% de dívida/PIB em 2024 graças ao crescimento econômico acima do esperado nos dois últimos anos e ao efeito das operações cambiais realizadas no fim de 2023. No entanto, ele alerta que “condicionantes importantes para a dívida devem piorar”, como a desaceleração do PIB e o ambiente de juros elevados que deve persistir ao longo do tempo.

Velho estima que seria necessário um superávit primário superior a 3% do PIB para estabilizar a dívida nos níveis atuais. Com as metas fiscais previstas para os próximos anos — déficit de 0,9% em 2026, superávit de apenas 0,25% em 2026 e 0,5% em 2027 — o esforço fiscal exigido pode chegar a 4% do PIB, o que, na visão do economista, é pouco crível. Ele ainda aponta que o orçamento de 2026 traz previsões superestimadas de receitas, especialmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), além de subestimar despesas obrigatórias como as previdenciárias.

Para recuperar a credibilidade fiscal, Velho defende reformas estruturais, incluindo nova reforma da Previdência e maior flexibilidade nas vinculações orçamentárias em áreas como saúde e educação. No entanto, ele reconhece que dificilmente tais mudanças ocorrerão antes das eleições de 2026, uma vez que historicamente o déficit fiscal aumenta nos anos eleitorais — em média, cerca de 57%.

Estudos internacionais corroboram o alerta. O economista cita pesquisa de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, ex-FMI, que mostra que países com dívida superior a 90% do PIB tendem a crescer cerca de 1 ponto percentual a menos por ano do que os menos endividados. Além disso, altos níveis de endividamento em economias emergentes frequentemente coincidem com inflação elevada. Para Velho, apesar da meta oficial de 3%, a inflação brasileira tende a se manter em torno de 5% ao ano devido à sua persistência estrutural.

Outro ponto de preocupação está na composição da dívida. Embora a participação de títulos de longo prazo esteja aumentando — o que em tese poderia ser positivo —, os custos estão elevados. Os títulos atrelados à inflação (NTN-Bs) com vencimento em 2035, por exemplo, operam com taxas reais acima de 7% ao ano. Esse cenário, segundo Velho, compromete o fluxo de caixa do Tesouro Nacional, sobretudo se a arrecadação e o crescimento do PIB não ganharem tração nos próximos anos.

Do lado externo, a guerra comercial entre Estados Unidos e China pode agravar ainda mais o quadro fiscal brasileiro. O aumento do protecionismo reduz o comércio global e afeta diretamente a arrecadação no Brasil, cuja economia é sensível ao desempenho das exportações e ao crescimento mundial. A diretora de macroeconomia do UBS Global Wealth Management no Brasil, Solange Srour, reforça que a recente valorização do real pode até ajudar no controle da inflação, mas prejudica a dinâmica da dívida ao reduzir o PIB nominal — que serve como base para o cálculo do indicador — e a arrecadação.

Srour também critica o cenário apresentado pelo governo nas diretrizes orçamentárias para 2026. Segundo ela, as estimativas indicam um encolhimento das despesas discricionárias a apenas 0,1% do PIB em 2029, o que escancara a rigidez orçamentária e a fragilidade estrutural das contas públicas. “O problema fiscal do Brasil continua tão grande quanto antes”, resume a economista.

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