Governo paga mesmo juro cobrado nos títulos públicos durante crise do governo Dilma
Papéis com vencimento aproximado em dez anos são vendidos com juro real médio acima de 7% desde dezembro, sinalizando endividamento público alto

O Tesouro Nacional vem vendendo títulos da dívida com vencimento em dez anos a taxas reais superiores a 7% há quatro meses consecutivos, acendendo um alerta sobre a trajetória da dívida pública brasileira. A última vez que o país enfrentou esse patamar de juros foi durante o segundo governo Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, em meio à confluência de crises política, econômica e institucional que culminaram no impeachment da então presidente.

Diferentemente daquele período, no entanto, os economistas afirmam que o cenário atual reflete menos uma percepção de risco e mais a constatação de que o novo arcabouço fiscal não é suficiente para estabilizar a dívida pública, hoje estimada em 76% do PIB. Segundo o ex-secretário do Tesouro Jeferson Bittencourt, o modelo atual até permite um leve aumento do superávit primário — algo em torno de 0,2% ao ano — mas, mesmo sem déficit, levaria mais de uma década para conter o avanço da dívida. “Hoje, essa taxa de juros não está refletindo nenhuma incerteza, mas a clareza do que o arcabouço vai entregar: do jeito que está, a dívida só cresce”, afirma.

A trajetória das taxas dos papéis do Tesouro IPCA (NTN-B) escancara essa percepção. O título com vencimento em 2032, que no início de 2023 era vendido com juros reais de 5,45%, ultrapassou a marca de 7% em dezembro e, desde então, não recuou. No início de abril, foi negociado a 7,84%. Já o título com vencimento em 2035 alcançou 7,57% no último leilão. A alta não se limita ao longo prazo: o Tesouro IPCA 2026 atingiu 9,51% na sexta-feira (11), frente aos 9,29% da semana anterior.

Além das incertezas domésticas, o Brasil também sofre os efeitos do tarifaço imposto por Donald Trump, que elevou a aversão ao risco nos mercados globais. Isso tem pressionado também os títulos de curto prazo, ampliando a percepção de risco e encarecendo o custo do financiamento público e privado.

Na avaliação de Julio Ortiz, CEO da Cx3 Investimentos, o atual crescimento econômico — estimado entre 2% e 3% ao ano — é frágil, sustentado pelo consumo das famílias, sem aumento relevante da produtividade ou do investimento. Para ele, o governo tem priorizado medidas com apelo eleitoral, como o aumento da isenção do Imposto de Renda e programas de crédito, deixando de lado uma agenda efetiva de contenção de gastos. “Até 2027, não vai ter mudança importante nenhuma. O governo já demonstrou que a reeleição é mais importante do que arrumar a casa”, critica.

Em dezembro, o Planalto chegou a apresentar um pacote de corte de despesas, mas analistas avaliam que o movimento foi insuficiente. A partir dali, o mercado passou a exigir taxas mais altas para financiar o governo, diante da percepção de que a equipe econômica havia abandonado a meta de zerar o déficit.

Enquanto o Ministério da Fazenda e o Tesouro Nacional evitam comentar o assunto, o mercado financeiro segue cobrando sinais claros de comprometimento com o ajuste fiscal. Para especialistas, uma inflexão só ocorrerá se o governo retomar o discurso da responsabilidade nas contas públicas. Até lá, a dívida continuará a subir — e o custo para financiá-la, também.

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