Indústria da transformação mostra expansão, mas ciclo de alta de juros pode afetar crescimento
O aumento dos juros reduz o ritmo de encomendas na indústria ao encarecer o crédito para empresas e consumidores

A indústria da transformação brasileira registrou crescimento no primeiro semestre de 2024 em todas as categorias tecnológicas – desde segmentos de alta tecnologia, como equipamentos de televisão, até áreas de média-baixa tecnologia, como produtos de metal. O levantamento, realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e antecipado ao Valor, revelou aumentos de 3,7% para indústrias de média e baixa tecnologia, 0,3% para média tecnologia, 2,4% para média-alta tecnologia e 1,9% para alta tecnologia, uma expansão abrangente não observada desde 2021.

Contudo, esse cenário positivo pode ser ameaçado pelo recente ciclo de alta de juros. Em setembro, o Banco Central elevou a taxa Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano, com o objetivo de conter a inflação ao reduzir a demanda interna. Segundo Rafael Cagnin, economista do Iedi, a sinalização de uma política monetária mais rígida traz preocupação, pois pode desacelerar especialmente setores mais sensíveis a juros altos, que são os motores do crescimento atual da indústria.

Efeito dos Juros Elevados na Indústria

O aumento dos juros reduz o ritmo de encomendas na indústria ao encarecer o crédito para empresas e consumidores. Além disso, o câmbio elevado aumenta o custo dos insumos importados, pressionando os setores de alta e média-alta tecnologia, que dependem de financiamento para a produção de bens duráveis e de capital. Cagnin destaca que esses setores devem sentir mais o impacto da Selic alta, afetando o mercado de produtos de alto tíquete, que normalmente necessitam de crédito.

Cristina Zanella, da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), aponta que, embora o setor de máquinas e equipamentos mostre sinais de recuperação, a receita líquida ainda acumula uma queda de 14% até agosto. O aumento nos juros compromete a recuperação do setor, que já enfrenta uma desaceleração nos investimentos.

Capacidade Instalada e Necessidade de Investimento

Felipe Novaes, economista da Tendências Consultoria, observa que a utilização da capacidade instalada da indústria chegou a 83,4% em setembro, conforme dados da FGV, o maior nível desde maio de 2022. A princípio, isso exigiria mais investimentos em novos equipamentos para expansão, mas o crédito caro restringe a possibilidade de renovação de maquinário e expansão da capacidade, criando um impasse para a indústria.

Especialistas projetam que o impacto dos juros mais altos se intensificará a partir de 2025, com um efeito defasado de seis a nove meses sobre a indústria. Novaes prevê crescimento de 3,3% na produção da indústria da transformação em 2024, mas espera um avanço mais modesto, de 2,3%, para 2025.

Alternativas de Crédito e Apoio do BNDES

Para manter o crescimento, as empresas precisarão encontrar formas alternativas de financiamento. Victor Furtado, da W1 Consultoria, afirma que o acesso ao crédito será desafiador em 2025, exigindo flexibilidade das empresas para contornar as dificuldades impostas pelos juros altos. O apoio do BNDES será crucial, mas, segundo Furtado, o impacto poderá ser limitado. Erminio Lucci, CEO da BGC Liquidez, sugere que as médias e grandes indústrias recorram ao mercado de capitais como uma alternativa viável para captar recursos e driblar as taxas de juros elevadas dos bancos comerciais e públicos.

O cenário reforça a necessidade de estratégias financeiras robustas para a indústria da transformação, que busca manter o ritmo de crescimento em meio a um ambiente de crédito restritivo e custos crescentes.

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