Brasileiras ganham até R$ 70 mil com venda de óvulos no exterior
Com dificuldades financeiras, imigrantes também participam de testes de medicamentos

O cartaz no elevador do hospital trazia um convite: “Doe ovócitos (óvulos), faz bem para quem dá, faz diferença para quem recebe”. A brasiliense Ana*, 29 anos, que há seis vive em Lisboa, em Portugal, quis saber mais sobre a proposta. Descobriu que poderia receber até 877 euros (cerca de R$ 5,7 mil) como compensação. Não pensou duas vezes diante da dificuldade de encontrar trabalho e pagar as contas enquanto concluía um mestrado.

Com o valor, ela conseguiria arcar com dois meses de aluguel ou quatro mensalidades do curso. “Passei pelo processo duas vezes e nunca me arrependi. Ou era isso ou voltar para o Brasil quando estava totalmente sem grana, no meio dos estudos. Eu mesma injetava os hormônios para estimular a ovulação, era um pouco dolorido. Tive algumas reações, como cólicas e espinhas, mas nada além disso”, relata a estudante, que fez a última doação em maio de 2019.

É cada vez mais frequente encontrar relatos de brasileiras que enfrentam ciclos hormonais e cirurgias para doação de óvulos ou participam de estudos científicos, como testes de medicamentos, em troca de pagamentos que variam a cada país. As regras sobre a idade das doadoras e a quantidade de vezes que podem doar também mudam nos diferentes territórios.

Há dois principais argumentos entre as mulheres ouvidas pela reportagem que tiveram essas experiências: o desejo de ajudar outras pessoas a construírem uma família e a necessidade de complementar a renda, em especial durante a pandemia, que diminuiu drasticamente a quantidade de empregos.

A brasileira Larissa Barreto, 28 anos, trabalha com estética e morava na Hungria quando soube da possibilidade de ser remunerada para participar de procedimentos clínicos. “Na Hungria, é muito comum procedimentos clínicos serem remunerados, como a doação de plasma, por exemplo. Você pode fazer duas ou três vezes por semana, ganha uns 30 euros”, relata.

Quando se mudou para Portugal e ouviu falar sobre doação de óvulos, Larissa não estranhou a ideia. “Para mim não era um bicho de sete cabeças, até porque está complicado arrumar emprego. Tem alguns hospitais que pagam para que você participe de estudos, mas fiquei com medo porque o medicamento é algo muito mais invasivo. Então optei pela doação de óvulos.”

É possível fazer a doação por meio do Sistema Nacional de Saúde (o sistema público de saúde de Portugal) ou em clínicas privadas. “Eles entendem como uma dádiva, você vai ajudar uma família que não consegue engravidar de forma natural, que quer fazer fertilização in vitro”, explica Larissa.

Paga-se mais pelos óvulos do que por espermatozoides – homens recebem no máximo 43,88 euros. Antes de doar, a candidata passa por uma bateria de exames e preenche formulários com informações sobre seu histórico familiar e hábitos cotidianos. Aprovada, ela começa a tomar injeções de hormônios. “Eles nos pagam como uma recompensa pelas mudanças no corpo e no humor. Eles não gostam de usar o termo remuneração, porque remete a um trabalho, e não é isso que estamos fazendo.”

Apesar disso, Larissa acredita que a maior parte das pessoas faz a doação pelo dinheiro. “É um procedimento que não é muito agradável, pois interfere no ciclo normal do organismo. A mulher fica irritada, acaba ganhando acne, são hormônios, querendo ou não. Foram entre 10 e 14 dias de ingestão de hormônios para ficar apta para a retirada dos óvulos pelo método de punção, que é uma cirurgia e exige alguns dias de repouso.”

Após o procedimento, feito em março de 2021, ela diz não ter nenhuma queixa sobre o processo e que recebe mensagens semanalmente para monitorar sua saúde. Apesar disso, admite que não repetiria a experiência. “Estou fazendo tratamento para acne, tomando anticoncepcional. Me senti uma adolescente de 13 anos, fora a retenção de líquido, engordei uns 2 kg. Me recuperei rápido, mas são bombas de hormônio”, esclarece.

A brasileira Estella, 34 anos, educadora física, também participou de estudos clínicos e doou óvulos em Portugal, onde morou pela primeira vez em 2015. Ela afirma que a motivação principal foi o dinheiro. “Acho muito difícil alguém fazer isso de graça. Imagino que em 99% dos casos a mulher faz por isso mesmo, mas ninguém fica rico com isso. Em uma situação na qual se precise de uma grana, eu recomendo”, diz.

Ela tinha 28 anos quando fez a primeira doação de óvulos, e recebeu cerca de 600 euros. “Não tomava pílula, e tive que tomar para regular o ciclo com o da pessoa que iria receber. Correu tudo bem, e a cirurgia mesmo durou uns 20 minutos”, relembra.

Nos últimos anos, ela doou ovócitos mais duas vezes, e o pagamento foi de 877 euros. Em uma das ocasiões, diz que ficou com a “barriga imensa” e não podia fazer exercícios, mas não houve nenhuma consequência mais grave a longo prazo.

A doação de óvulos em Portugal é feita de forma anônima, porém as famílias podem procurar a doadora em casos específicos, como surgimento de alguma doença genética, por exemplo. Legalmente, a doadora não tem nenhum direito ou dever com relação à criança. Também há um limite de quatro doações.

“Eu tenho curiosidade para saber se correu tudo bem. A criança gerada com minha primeira doação deve ter 5 anos. Um amigo falou que eu era doida, que teria um filho meu por aí. Eu ia achar até divertido ver uma criança e ela se parecer comigo”, comenta Estella.

Já a brasileira Thais Berna afirma que sua principal motivação para doar óvulos em Portugal não foi o pagamento, mas sim o desejo de ajudar outras famílias que planejavam ter filhos, mas não conseguiriam tê-los naturalmente.

Ela destaca que, em Portugal, é comum mulheres terem filhos após os 30 anos e precisarem de tratamento. Um ciclo completo de fertilização, em clínicas privadas, pode custar cerca de 5 mil euros. A mulher que doa os óvulos recebe no máximo 877 euros, por determinação legal.

“Eu gosto muito de ajudar as pessoas, e quando escuto a palavra doação não penso duas vezes. Eu dou um presente a uma pessoa e fico mais feliz do que quem recebeu. Tenho duas filhas. Nós, mulheres que somos mães, sabemos o tamanho desse amor incondicional”, afirma Thais.

Regras em Portugal

A doadora deve:

  • Ter entre 18 e 33 anos
  • Não ter doenças de transmissão sexual
  • Não ter doenças hereditárias

Passo a passo:

Passo 1 – Consulta de ginecologia prévia, avaliação de fertilidade, análises sanguíneas e entrevista com psicóloga (o)
Passo 2 – Estimulação hormonal
Passo 3 – Doação (colheita de óvulos)

“A Lei Portuguesa determina que a doação de óvulos seja um processo voluntário, de carácter benévolo, em que as dadoras são ressarcidas pelas despesas efetuadas ou prejuízos direta e imediatamente resultantes das suas dádivas num valor máximo de 877,62€ (calculado de acordo com o dobro do Valor do Indexante de Apoios Sociais em vigor) após a dádiva, nos termos fixados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, de acordo com o previsto no n.º 3 do Despacho 3192/2017, publicado no Diário da República n.º 75, 2.ª Série, de 17 de abril de 2017″, informa o Sistema Nacional de Saúde (SNS) de Portugal.

Deportação

Em Portugal, não se exige autorização de residência para doar óvulos. Para imigrantes, é aconselhável conhecer as regras de cada país antes de decidir fazer esse procedimento. A modelo Graziele Nunes, 31 anos, é quem faz o alerta. Ela, que mora em Nova York há 4 anos, passou pelo processo após ter garantias de uma agência que o negócio era legal. Teve de preencher formulários, enviar fotos dos tempos de criança e adolescente, e fez exames de sangue e de urina. A seleção durou quatro meses.

“O normal é que paguem cerca de US$ 8 mil na primeira doação; na segunda, US$ 10 mil. Cada clínica paga valores diferentes. No meu caso, na primeira doação recebi US$ 15 mil [cerca de R$ 75 mil]”, relata.

Somente após ter vendido os óvulos Graziele descobriu que apenas cidadãs americanas podem fazer esse procedimento no país. Imigrantes sem Green Card correm o risco de deportação. Ela soube disso após viajar ao México e, na volta aos EUA, ser inquirida na imigração sobre o pagamento em dólares que havia recebido.

Graziele quase perdeu o visto de trabalho, e diz ter se arrependido. “As agências mentem que não há consequências, mas é um golpe. Eu aprendi isso da pior maneira possível, quase sendo deportada. Não façam isso”, aconselha. Ela também relata que há empresas especializadas em recrutar mulheres no Brasil para irem aos EUA com intuito de doar óvulos.


(Leilane Menezes)

redacao
Conta Oficial Verificada