Déficit com o pagamento de aposentadorias e pensões aumentou quase 60%
Reforma de 2019 traz melhora no resultado, mas especialistas dizem que alívio é temporário e novas mudanças são necessárias

Nos últimos nove anos, o déficit com o pagamento de aposentadorias e pensões de trabalhadores da iniciativa privada, servidores públicos federais e militares aumentou quase 60% em termos reais. Em 2024, o governo precisou desembolsar R$ 416,8 bilhões, o equivalente a 3,45% do Produto Interno Bruto (PIB), para cobrir essa conta, um avanço expressivo em relação aos R$ 260,6 bilhões (2,64% do PIB) registrados em 2015. Os números, corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro, foram levantados pelo Tesouro Nacional a pedido do jornal Valor.

Embora o rombo tenha sido menor do que o registrado em 2023, quando atingiu R$ 437,9 bilhões (3,75% do PIB), especialistas alertam que essa redução não representa uma tendência sustentável. O desempenho mais positivo de 2024 decorreu, principalmente, do aumento das receitas previdenciárias, impulsionado pelo crescimento econômico acima do esperado e pelo aquecimento do mercado de trabalho, e não de uma efetiva contenção das despesas. Para analistas, o tamanho do déficit reforça a necessidade de novas reformas no sistema previdenciário, tanto para os trabalhadores vinculados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quanto para os servidores públicos e militares.

A maior fatia desse déficit, cerca de 70%, veio do INSS, cujo resultado negativo alcançou R$ 304,6 bilhões (2,52% do PIB) no ano passado, mesmo após a reforma da Previdência de 2019. Em 2015, esse rombo era de R$ 141 bilhões (1,43% do PIB). O peso das aposentadorias mínimas no orçamento previdenciário é um fator determinante: cerca de 64% dos benefícios pagos pelo INSS correspondem a um salário mínimo. Em outubro de 2023, último dado disponível, o Ministério da Previdência apontou um total de 40 milhões de benefícios emitidos, incluindo aposentadorias, auxílios acidentários e assistenciais.

Já no caso dos servidores públicos e militares, o déficit teve um comportamento oposto ao longo dos últimos anos. Entre 2015 e 2024, o resultado negativo da previdência dos servidores federais caiu de R$ 66,1 bilhões (0,67% do PIB) para R$ 60,4 bilhões (0,5%). No caso dos militares, o rombo passou de R$ 53,5 bilhões (0,54% do PIB) para R$ 51,8 bilhões (0,43% do PIB). Essa melhora decorre, principalmente, do aumento das contribuições previdenciárias.

Apesar dessa redução, economistas alertam que o déficit per capita na previdência dos servidores e militares continua sendo extremamente alto. O economista Arnaldo Lima, da Polo Capital, destaca que há mais servidores inativos do que na ativa, com uma relação de 0,9 ativo para cada inativo. Esse fator exige um financiamento crescente e reforça a importância da aprovação do Projeto de Lei 4.920/2024, que altera as regras da aposentadoria militar.

Enviado pelo governo ao Congresso, o PL 4.920 estabelece uma idade mínima de 55 anos para a aposentadoria dos militares, algo que atualmente não existe. Hoje, a transferência para a reserva ocorre após 35 anos de serviço, e a proposta prevê uma transição gradual até 2031. Essa mudança faz parte do pacote de medidas do governo para conter os gastos públicos.

O professor Luís Eduardo Afonso, da Faculdade de Economia e Administração da USP, afirma que o déficit per capita na previdência dos servidores públicos e militares é extremamente elevado e limita a capacidade do governo de planejar políticas fiscais de longo prazo. Segundo ele, a população se acostumou com um déficit previdenciário de aproximadamente R$ 120 bilhões para um número reduzido de beneficiários, enquanto o INSS, que atende quase 30 milhões de pessoas, responde pelo maior volume de gastos.

A reforma da Previdência de 2019 trouxe mudanças importantes que ajudaram a conter o crescimento acelerado do déficit, como a unificação das regras de aposentadoria, a fixação da idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens e a revisão dos cálculos dos benefícios. Contudo, desde então, os gastos continuam a crescer, ainda que em um ritmo mais lento.

Em 2020, primeiro ano da reforma, o déficit do INSS atingiu um pico de R$ 344,5 bilhões (3,41% do PIB). Depois disso, houve uma redução para R$ 304,2 bilhões (2,74% do PIB) em 2021 e para R$ 291,1 bilhões (2,59% do PIB) em 2022. No entanto, o rombo voltou a subir em 2023, chegando a R$ 326,4 bilhões (2,8% do PIB), antes de recuar novamente para os R$ 304,6 bilhões registrados em 2024.

O consultor legislativo do Senado e especialista em Previdência, Bernardo Patta Schettini, explica que a melhora recente foi influenciada pelo aumento da arrecadação e pelas novas regras de transição da reforma, que levaram muitos trabalhadores a adiar a aposentadoria. No entanto, ele acredita que o déficit do INSS voltará a crescer à medida que a economia desacelerar e a fase de transição para a nova aposentadoria for concluída.

O especialista em políticas públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, lembra que o pagamento de precatórios em dezembro de 2023 mascarou a real evolução do déficit previdenciário. Se esse fator for desconsiderado, os números indicam que o rombo continuou aumentando.

Diante desse cenário, economistas defendem a necessidade de uma nova reforma da Previdência no curto prazo, com medidas estruturais para garantir a sustentabilidade das contas públicas. Entre as propostas estão a criação de uma regra automática para o aumento da idade mínima de aposentadoria conforme a evolução da expectativa de vida, ajustes nas regras da aposentadoria rural e no regime previdenciário dos Microempreendedores Individuais (MEI). Além disso, eles argumentam que, ao contrário da reforma de 2019, uma nova revisão deveria incluir Estados e municípios, para que todos os entes federativos adotem regras mais rígidas de concessão de benefícios.

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