Fundos têm captação líquida de R$ 105 bi no 1º trimestre
Até março, setor recuperou 97% de tudo que saiu no ano passado inteiro; renda fixa lidera preferência dos cotistas

O setor de fundos de investimentos encerrou o primeiro trimestre de 2024 com captação líquida de R$ 105 bilhões, uma recuperação que praticamente anula todo o volume de resgates no ano passado, quando R$ 108,1 bilhões deixaram a indústria. Trata-se de uma reação concentrada na renda fixa, que atraiu R$ 131,7 bilhões, enquanto carteiras de ações (-R$ 2,1 bilhões) e multimercados (-R$ 28,2 bilhões) ainda enfrentam saques. Os dados são preliminares da Anbima, que representa o setor de investimentos, com base no extrato do último dia útil de março.

Em meio a mudanças na taxação dos fundos fechados exclusivos e reservados a poucos cotistas, a previdência registrou captação atípica para o período, com ingressos líquidos de R$ 11,1 bilhões. Apesar das restrições do governo para a constituição de novos veículos exclusivos sob a casca da previdência complementar, parte dos recursos que iriam para carteiras de gestão patrimonial familiares começam a irrigar os planos abertos do mercado segurador e de gestão de recursos. No rol dos estruturados, os fundos de recebíveis (FIDC) acumulam resgates de R$ 12,7 bilhões no ano, enquanto os de participações em empresas atraíram R$ 7,7 bilhões.

Os cortes de juros adotados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) até aqui, reduzindo a Selic de 13,75% desde agosto para os 10,75% ao ano atuais, ainda foi insuficiente para trazer dinheiro novo para carteiras consideradas de maior risco. Mas já há uma maior disposição para fundos de crédito. O tipo renda fixa de duração e crédito livres recebeu R$ 29,4 bilhões nos três primeiros meses do ano. Os de curto prazo com títulos soberanos atraíram R$ 24,3 bilhões e os com papéis com grau de investimento outros R$ 17,2 bilhões. Os de duração média levantaram R$ 20,4 bilhões no período.

Olhando à frente, algumas classes tendem a ser vencedoras, enquanto outras, como os multimercados, enfrentam o desafio da performance, diz Adilson Ferrarezi, chefe de soluções de investimentos da Bradesco Asset Management. Com o direcionamento para a redução da originação de ativos isentos, cria-se uma avenida para fundos de debêntures incentivadas, em veículos exclusivos/restritos ou em condominiais.

Os fundos de crédito, por sua vez, atravessaram a fase de insolvência de alguns ativos, como Americanas e Light, que machucaram o desempenho até de portfólios líquidos pelo contágio no perfil de papéis considerado de alta qualidade (“high grade”). Em 12 meses, Ferrarezi diz que numa amostra de 165 carteiras que acompanha, 90% dos portfólios high grade, e “high yield”, com mais risco, rodam acima do CDI. A normalização dos preços no secundário trouxe ganhos expressivos e tem chamado captação.

Já os multimercados têm mostrado dificuldades para vencer o “grande maratonista”, o CDI, e perdem apelo, afirma. No ano, só 20% de uma lista de 250 fundos que a Bradesco Asset acompanha e considera como investíveis, têm performance acima do referencial. Em 12 meses, a fatia sobe a 28%.

“As taxas de juros americanas demoraram para ceder e a leitura dos gestores era que haveria uma redução mais rápida e de maior magnitude pelo Fed [Federal Reserve, o BC americano], e, consequentemente, da taxa doméstica”, descreve Ferrarezi. “A indústria tomou mais risco e obviamente os preços não vieram nesse cenário. Os principais gestores macro estavam aplicados [apostando na queda dos juros a mercado] e não tiveram sucesso.”

Os gestores também não pegaram o rali de março em alguns setores da bolsa porque estavam com baixo risco na classe de maneira geral. “O principal cavalo era a taxa de juros e o vento foi contra”, continua o executivo da Bradesco Asset. Um bom sinal adiante é que o segmento está leve em risco com uma utilização média de 35% do orçamento, e os preços são bons. “Os fundos perdem para o CDI no primeiro trimestre, mas têm fôlego para recuperar capacidade.”

Priscila Kubo, gerente de produtos do AndBank, diz que março foi o primeiro mês que os multimercados ensaiaram uma reação, com o índice de hedge funds da Anbima em 101% do CDI, “nada maravilhoso”. Quando se olha para uma janela de 36 meses, o desempenho médio equivale a 79% do CDI. “A classe foi mal e tem volatilidade”, diz. “Ao longo do tempo, teve o risco, mas o retorno não veio. Apesar de haver carteiras com bom desempenho, os investidores generalizam e têm essa saída.”

Um fenômeno que se observa nos EUA é a diminuição do patrimônio alocado por grandes investidores institucionais, como “endowments” (fundos patrimoniais para gerir doações), fundos de pensão e pessoa física nos hedge funds, o equivalente aos multimercados brasileiros, diz Ferrarezi, da Bradesco Asset. “O Brasil está passando por essa maturidade e a indústria de gestão ativa ainda vai passar por consolidações.”

Com a mudança na taxação dos fundos fechados exclusivos e restritos, que passaram a ter imposto semestral, o “come-cotas”, a partir deste ano, muitos veículos sob o guarda-chuva dos multimercados foram transformados em ações. Nos dedicados à bolsa, a gestão precisa manter 67% em ações, com flexibilidade para a parte restante. O IR é de 15% somente no resgate.

Com esse efeito, entre os 374 fundos de bolsa monitorados pela Bradesco Asset, já houve uma captação líquida de R$ 5,8 bilhões neste ano. “Por que o cliente quer mais risco em ações? Não vemos isso ainda”, diz Ferrarezi. Ele espera que o segundo semestre seja mais promissor, a depender de uma Selic e juros reais menores. O primeiro “pit stop” tende a ser os fundos “long-biased”, que arbitram preços, podem ficar comprados e vendidos e têm mais liberdade na gestão.

Kubo, do Andbank, lembra que a queda da Selic geralmente funciona como combustível para ações, mas enquanto investidores esperam redução das taxas americanas e um aprofundamento dos cortes no Brasil, as alternativas de renda variável ficam fora do radar. “A bolsa brasileira é pequena em relação a de outros mercados, depende de capital estrangeiro e o Brasil perdeu peso em índices como o MSCI.”

A previdência também engordou sob o impacto da reforma da tributação dos fundos usados pelas famílias mais ricas, segundo Ferrarezi. Ele diz que boa parte do crescimento em fundos de ações e de crédito veio da alocação em versões de previdência.

"Os multimercados têm mostrado dificuldades para vencer o ‘grande maratonista’, o CDI, e perdem apelo", afirma Adilson Ferrarezi.

De fato, foi um trimestre de superlativos para o crédito privado. No mercado secundário, o volume de negociações de debêntures incentivadas e comuns atingiu o recorde de R$ 61 bilhões em março, de acordo com relatório da área de pesquisa do banco ABC Brasil. Já no primário, as emissões somaram R$ 60,5 bilhões, a segunda maior marca da série histórica, iniciada em maio de 2022. Em fevereiro, os fundos de crédito privado já haviam registrado a captação líquida mais alta da série, com R$ 44,5 bilhões, enquanto os de debêntures de infraestrutura bateram o recorde em março, com R$ 7,3 bilhões.

Para Roberto Dumke, chefe de pesquisa do ABC Brasil, foi uma continuidade do quadro de crescimento acelerado iniciado em fevereiro, após as restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) às emissões de CRIs, CRAs, LCIs, LCAs e LIGs. Ele observa que os fundos da categoria diminuíram um pouco o ritmo em março, com captação líquida de R$ 41,7 bilhões, mas os de infraestrutura seguem avançando com força, também puxados pela taxação dos fundos exclusivos. Mas ele não vê reversão do cenário. “O mercado de papéis isentos passou por uma mudança estrutural.”

No levantamento, o ABC Brasil considera como crédito privado fundos que tenham ao menos 15% alocado em dívida privada, o que inclui 2.486 fundos, com R$ 1,88 trilhão de patrimônio líquido. Já em infraestrutura, são 457 fundos na amostra, que somam um patrimônio de R$ 100 bilhões.

Na Kinea Investimentos, que tem o Itaú como sócio e R$ 60 bilhões sob gestão só em crédito, os fundos captaram R$ 2,5 bilhões neste ano. Ivan Fernandes, gestor de crédito privado da asset, vê aumento ainda maior na procura por fundos do tipo no segundo e terceiro trimestres, diante do efeito esperado da queda dos spreads (diferença entre as taxas pagas pelos títulos e os rendimentos das NTN-Bs equivalentes ou o CDI) nos rendimentos dos fundos.

Os spreads caíram como consequência da corrida por debêntures incentivadas e comuns a partir de fevereiro, após as medidas do CMN. O rali fez os preços dos papéis subirem, com reflexo positivo na cotas dos fundos. O fundo Itaú Debêntures Incentivadas CDI, por exemplo, obteve retorno equivalente a 283% do referencial em fevereiro e a 130% em março. Como no ano passado esses mesmos spreads haviam subido muito por conta da crise de Americanas e Light, lembra Fernandes, a base vai ser deprimida, elevando ainda mais a atratividade agora.

Segundo o gestor, como a oferta de títulos não tem suprido a demanda, grandes bancos estão fazendo as chamadas operações privadas, nas quais fecham os termos da emissão e compram todos os papéis. A própria Kinea estreou na originação e já fechou R$ 2 bilhões do fim do ano passado para cá. “É um trabalho bilateral que cresceu bastante e que nos torna mais competitivos. Além de suprir a necessidade da carteira dos nossos fundos, garantimos spreads mais altos sem comprometer a qualidade de crédito.” O carro-chefe da casa, o Kinea Andes, que tem resgate em um dia, atingiu patrimônio líquido de R$ 4,3 bilhões e rendeu 120% e 117% em fevereiro e março, respectivamente.

Samuel Ferrarezi, estrategista de Investimentos do Santander Brasil, também vê oportunidades no segmento. Ele compara as taxas pagas pelas NTN-Bs com as das debêntures incentivadas de janeiro de 2021 a fevereiro de 2024 e diz que, nesse período, os títulos privados com prazo médio de cinco anos apresentaram rendimento de IPCA mais 5,67% ao ano, isento de IR para pessoa física, enquanto o papel federal pagou IPCA mais 5,10% ao ano. É um retorno equivalente na casa dos 120% do CDI.

Já a Capitânia Investimentos tem dois fundos de debêntures de infraestrutura, com liquidez em 90 dias. Arturo Profili, sócio-fundador da asset, diz ainda não ver um fluxo gigantesco para as gestoras independentes, com a captação concentrada em assets de bancos, que são donas da própria distribuição. Mas os resultados têm sido bons, com a soma do patrimônio dos dois subindo de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões. “É um retorno do dinheiro que estava estacionado na renda fixa tradicional.”

Para driblar os spreads comprimidos e aumentar a rentabilidade, ele vem alocando em debêntures “menos básicas”. Para se ter uma ideia, entre os papéis conhecidos como triplo A, já há casos de títulos sem qualquer diferença para o federal de referência, caso da Eletrobras, por exemplo. “Para reduzir o risco nessas operações, alocamos menos por transação.”

Kubo, do Andbank, diz que os spreads já fecharam demais, com alguns papéis até abaixo do que se via pré-Americanas. “Tem que ter certa parcimônia para colocar dinheiro nesses produtos”, alerta. “O investidor que achar que vai surfar a boa performance dos últimos meses pode se frustrar à frente.”

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