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Um dos documentários mais falados dos últimos dias trata de um tema sensível e que, por anos, passou despercebido em todo o mundo. 'Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda' estreou na Netflix expondo um lado desconhecido de uma das marcas mais famosas dos anos 1990.
Dirigido por Alison Klayman, o documentário conta como a Abercrombie & Fitch foi refundada e, de uma marca esportiva clássica norte-americana, se tornou uma marca juvenil, entrando nos colegiais ao redor dos Estados Unidos. Ter e usar uma roupa da Abercrombie & Fitch era mais do que ter um estilo. Era ter uma identidade em comum com pessoas "bacanas" ao redor de todo o País. Era ser desejado e ter roupas desejadas.
A imagem que a Abercrombie & Fitch passou a vender foi a de modelos em sua maioria homens, semi-nus e musculosos. Era uma campanha direcionada à América branca, apelando ao estatuto, à ostentação e às ligações desportivas dos jovens que pretendiam ser populares na escola. Resultado: a marca ficou consolidada. Ainda que as peças pudessem não ser nada de outro mundo, como admite no documentário Alan Karo, executivo de marketing e publicidade da empresa.
Porém, no meio desse sucesso, um lado sombrio da empresa acabou sendo revelado. Os funcionários eram escolhidos seguindo um estereótipo previamente detalhado. Deveriam ser brancos, não poderiam usar dread, colares de ouro e os adornos das mulheres deveriam ser pequenos. Os que não fossem brancos trabalhavam na reposição dos armazéns ou em horários mais tardios.
Além disso, a marca acabou pagando por escolhas preconceituosas e xenofóbicas. A empresa começou a enfrentar acusações de irregularidades por volta da virada do milênio. Em 2003, um grupo de ex-funcionários e candidatos a emprego processou a Abercrombie & Fitch por discriminação. Vários dos queixosos aparecem no documentário da Netflix para reiterar alegações de longa data de que funcionários negros, asiático-americanos e hispânicos tiveram suas horas reduzidas, foram demitidos ou forçados a papéis nos bastidores por causa de sua aparência.
A Abercrombie resolveu o processo em 2004, pagando cerca de US$ 40 milhões a seus acusadores. E embora a empresa nunca tenha admitido culpa no caso, concordou com um Decreto de Consentimento não vinculativo que via um tribunal supervisionando melhorias em suas práticas de contratação, recrutamento e marketing.
A empresa se recusou a comentar sobre alegações específicas feitas no documentário, embora o atual CEO Fran Horowitz tenha dito à CNN em um comunicado: "Nós evoluímos a organização, inclusive fazendo mudanças na gestão, priorizando a representação, implementando novas políticas, repensando nossas experiências de loja e atualizando o ajuste, tamanho e estilo de nossos produtos", disse.
O que é chocante sobre o documentário, no entanto, não é apenas a natureza das acusações - muitas das quais são de domínio público há muito tempo - mas quanto tempo levou para que um acerto de contas chegasse.
A Abercrombie fez pouco segredo de querer que suas roupas fossem usadas por pessoas com uma determinada aparência. Em 2006, o ex-CEO Mike Jeffries efetivamente explicou suas táticas em um perfil agora infame no site de notícias Salon, dizendo: "Nós vamos atrás do garoto atraente americano com uma grande atitude e muitos amigos. Muitas pessoas não pertencem (em nossas roupas), e eles não podem pertencer. Somos excludentes? Absolutamente."
Os comentários passaram quase despercebidos na época. A citação de Jeffries - e o histórico de marketing e publicidade problemáticos da marca - se tornariam mais uma responsabilidade corporativa na década seguinte. Mas então, quando uma geração jovem e socialmente consciente de clientes começou a perceber, as comportas se abriram.
Em 2013, um adolescente sobrevivente de transtorno alimentar Benjamin O'Keefe iniciou uma petição no Change.org , assinada por quase 80.000 pessoas, que instou a empresa a oferecer tamanhos XL e acima. Nesse mesmo ano, o cineasta Greg Karber se tornou viral com sua campanha e vídeo #FitchTheHomeless, que o mostrava doando roupas da Abercrombie para moradores de rua em uma resposta à abordagem excludente de Jeffries. O blogueiro plus size Jes Baker criou uma série de anúncios falsos inclusivos que mudaram o logotipo da marca para "Atraente e Gordo".
No ano seguinte, Jeffries deixou o cargo de CEO em meio à queda nas vendas, abrindo caminho para outro exercício de rebranding.
Após todos os problemas, o tempo acabou fazendo com que a então marca queridinha dos adolescentes fosse encolhendo mesmo com diversas tentativas de mudar a arranhada imagem.