O agronegócio brasileiro, já pressionado pela sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos exportados para o mercado norte-americano — medida que entra em vigor nesta quarta-feira (6) —, agora teme um segundo golpe: a possibilidade de novas retaliações que afetem diretamente a importação de fertilizantes, insumo essencial para a produção agrícola nacional.
Conforme informações obtidas pela Folha, empresas do setor e representantes da bancada ruralista no Congresso já alertaram o Itamaraty sobre o risco de sanções adicionais. A preocupação se concentra principalmente no comércio com a Rússia, maior fornecedora de fertilizantes ao Brasil, e também responsável por mais de 60% do diesel importado pelo país em 2025.
Esse temor ganhou força após declarações do presidente norte-americano, Donald Trump, que, em 14 de julho, ameaçou impor tarifas secundárias de até 100% a países que continuarem comprando petróleo, gás, urânio e outros bens russos, caso não haja um acordo de paz entre Moscou e Kiev. A medida, segundo o secretário internacional do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, funcionaria como um ultimato diplomático, atingindo indiretamente parceiros comerciais da Rússia, como o Brasil.
Embora a tarifa não recaia diretamente sobre os fertilizantes importados, analistas indicam que o governo americano poderia retaliar o Brasil de forma indireta, taxando outros produtos exportados para o mercado dos EUA como mecanismo de pressão econômica. Em entrevista coletiva nesta terça-feira (5), Trump não confirmou o percentual exato da sobretaxa, mas sugeriu que “será algo próximo disso” e prometeu definir a decisão após reunião com autoridades russas marcada para quarta-feira (6).
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta que o Brasil precisa preparar um plano emergencial para evitar que um eventual bloqueio impacte cadeias estratégicas. “A posição dos Estados Unidos é clara: se a Rússia não resolver o conflito, eles vão retaliar quem compra produtos russos. E nós importamos petróleo e fertilizantes — insumos extremamente sensíveis ao agronegócio”, disse o presidente da entidade, Ricardo Alban.
A dependência brasileira desses insumos explica a preocupação. O país é o quarto maior consumidor mundial de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, respondendo por cerca de 8% da demanda global. Mais de 90% do consumo interno é suprido por importações, e a Rússia sozinha fornece 30% desse total, superando países como China e Canadá. Soja, milho e cana-de-açúcar concentram mais de 70% do uso nacional de fertilizantes, tornando o impacto potencial ainda mais significativo.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) mostram que as importações de fertilizantes russos atingiram 5,71 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2025, ao custo de US$ 1,98 bilhão. O volume anual pode superar 12 milhões de toneladas, repetindo o recorde de 2024, quando o Brasil comprou 12,5 milhões de toneladas do insumo. A trajetória evidencia um aumento expressivo na última década: em 2015, eram 3,7 milhões de toneladas; em 2019, 7 milhões; e, em 2021, o salto pós-pandemia levou a 9,6 milhões de toneladas.
Na semana passada, uma comitiva de senadores brasileiros esteve nos Estados Unidos para tentar sensibilizar a Casa Branca sobre o impacto das sobretaxas e obteve sinais de que a preocupação americana vai além das exportações brasileiras: incomoda, sobretudo, o volume crescente de combustíveis comprados da Rússia. O tema foi discutido pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), que não se manifestou publicamente até o momento.
O cenário reforça o clima de apreensão no setor agropecuário. Caso novas retaliações sejam confirmadas, especialistas alertam para um possível aumento dos custos de produção, queda de competitividade do produto brasileiro e riscos inflacionários em um mercado já pressionado pelas tarifas vigentes e pela volatilidade cambial.