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Mineração de bitcoin cresce no Brasil com benefícios tributários

Setor cresce sem normas ambientais e de segurança energética específicas, diferentemente de outros países

Grandes projetos de mineração de bitcoin estão avançando no Brasil impulsionados por incentivos fiscais concedidos a data centers, mesmo na ausência de uma regulação ambiental e de segurança energética específica para essa atividade. A expansão ocorre em um contexto no qual o país busca atrair investimentos em infraestrutura digital, mas ainda não definiu critérios próprios para o elevado consumo de eletricidade característico da mineração de criptoativos.

A mineração de bitcoin é uma atividade intensiva em energia elétrica, utilizada para a resolução de operações matemáticas que validam transações na rede da criptomoeda. O agente que conclui o cálculo primeiro recebe bitcoins como recompensa, o que estimula a instalação de grandes estruturas de processamento com consumo contínuo e elevado de energia.

O projeto mais avançado em território nacional é liderado pela Renova Energia, que obteve autorizações do Operador Nacional do Sistema e licença ambiental do governo da Bahia. O empreendimento prevê investimento de aproximadamente US$ 200 milhões e capacidade instalada de 100 megawatts, volume de eletricidade comparável ao consumo de uma cidade com cerca de 1 milhão de habitantes.

Batizado de Satoshi, em referência ao criador do bitcoin e à menor fração da moeda digital, o data center deve iniciar operações em 2026 com dedicação exclusiva à mineração. No modelo adotado, a Renova fornece a infraestrutura física e energética, além de suporte técnico, enquanto um parceiro do setor de criptomoedas será responsável pela operação de mineração e comercialização dos ativos. A empresa não divulga a identidade do parceiro, alegando cláusulas de confidencialidade.

Além da Renova, ao menos outras duas geradoras de energia renovável possuem pedidos semelhantes de conexão à rede em análise pelo ONS. Atlas Renewable Energy e Serena Energia, que também desenvolvem projetos próprios de mineração, não comentaram os planos. O grupo internacional Tether também anunciou investimentos na mineração de bitcoins utilizando biometano no Mato Grosso do Sul.

Os projetos em curso obtiveram benefícios tributários estaduais e podem se enquadrar na política federal voltada a data centers. No início de dezembro, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços incluiu máquinas de mineração no regime de ex-tarifário até 2027, permitindo a redução ou eliminação do imposto de importação sobre esses equipamentos.

Os incentivos se consolidaram antes da definição de regras específicas para sustentabilidade ambiental e segurança energética da mineração. A Lei nº 14.478, de 2022, que estabeleceu o marco legal dos ativos virtuais no Brasil, chegou a prever estímulos ao uso de energia renovável na mineração, mas o dispositivo foi retirado do texto final aprovado pelo Congresso.

Em outros países, a regulação da mineração tem foco direto na segurança do sistema elétrico. No Texas, principal polo de mineração de bitcoin nos Estados Unidos, operações com potência superior a 75 megawatts são obrigadas a informar localização, demanda e estrutura societária, permitindo ao estado interromper o consumo em situações de emergência climática. Na União Europeia, mineradores devem apresentar relatórios de transparência ambiental com dados sobre consumo de energia e emissões de gases de efeito estufa.

A China, que já foi um dos maiores centros globais da atividade, baniu a mineração de criptomoedas após avaliar que o alto consumo de eletricidade, frequentemente baseada em carvão, gerava baixo retorno econômico e riscos ao sistema financeiro. Atualmente, Rússia, Uzbequistão e Cazaquistão concentram parte relevante das operações globais, combinando energia barata e menor fiscalização.

No Brasil, o Redata, regime especial de tributação para serviços de data center, ampliou incentivos fiscais ao setor e passou a incluir operações ligadas a criptomoedas. O programa concede isenção de tributos federais na importação de equipamentos e na venda interna, condicionada ao cumprimento de exigências ambientais e de inovação. A medida provisória que instituiu o regime perde validade em fevereiro caso não seja aprovada pelo Congresso.

Segundo o Ministério da Fazenda, os projetos habilitados devem apresentar contrapartidas ambientais. A Renova afirma que atenderia aos critérios ao prever autoprodução de energia renovável e baixo consumo de água, mas optou por não aderir ao Redata por já ter utilizado o ex-tarifário na importação dos equipamentos. A empresa também obteve isenção de ICMS junto à Secretaria da Fazenda da Bahia para contratos de fornecimento de energia e serviços de tecnologia da informação.

A inclusão da mineração de criptomoedas no Redata ocorreu após pleito da Confederação Nacional da Indústria, que defendeu que o regime não deveria distinguir a finalidade dos data centers. Para a entidade, o foco deve ser a atração de investimentos e não o tipo de processamento realizado.

Especialistas, no entanto, apontam riscos. O professor da Universidade de São Paulo Ildo Sauer, especialista em planejamento energético, afirma que a alocação de energia deve priorizar atividades com maior geração de emprego e arrecadação, alertando para impactos ambientais com baixo retorno regional. Também há preocupação quanto ao uso de bitcoins recém-minerados para lavagem de dinheiro, já que se trata de um ativo sem origem financeira anterior.

De acordo com o delegado da Polícia Civil de Goiás e professor da Escola Nacional de Defesa Cibernética Vytautas Zumas, a nova regulação do Banco Central e a Lei 14.478 exigem que empresas reportem transações com criptoativos, o que tende a reduzir o risco de ocultação. Ele ressalta, porém, que operações realizadas fora de corretoras reguladas ou no exterior ainda apresentam dificuldades de rastreamento, em dinâmica semelhante ao chamado dólar-cabo.

A Tether, que mantém operações de mineração em diversos países e planeja ampliar sua presença no Brasil, afirma adotar critérios rigorosos de compliance, combinando rastreabilidade em blockchain com controles internos para prevenir usos ilícitos da infraestrutura.

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