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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve encerrar seu terceiro mandato na Presidência da República com déficits fiscais efetivos nos quatro anos de governo. É o que indicam os dados mais recentes, divulgados na proposta de Orçamento para 2025 e no quarto relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento deste ano.
Mesmo que o governo consiga cumprir as metas fiscais estabelecidas para os próximos anos — déficit zero em 2024 e 2025 e um superávit de 0,25% em 2026 —, especialistas afirmam que a previsão é de déficits efetivos até o fim do mandato. Esse cenário é conhecido como resultado fiscal cheio, ou seja, sem os descontos permitidos pelo arcabouço fiscal.
Déficits e margem de tolerância fiscal
A Folha consultou dois especialistas em contas públicas, Mansueto Almeida e Felipe Salto, que são categóricos em prever quatro anos de déficits no governo Lula. Um dos motivos é o uso da margem de tolerância do novo arcabouço fiscal e o impacto das despesas com precatórios e créditos extraordinários, que ficam fora do cálculo da meta fiscal.
Para 2024, o próprio governo projeta um déficit de R$ 68,8 bilhões, sendo R$ 40,5 bilhões fora das regras fiscais. Em 2025, espera-se um déficit efetivo de R$ 40,4 bilhões, enquanto a meta fiscal com descontos indica um superávit de R$ 3,7 bilhões. Essas exceções permitem que o governo cumpra a meta fiscal, mesmo com déficits recorrentes.
Além disso, o governo adotou uma estratégia de ajuste gradual das contas públicas, focada no limite inferior da regra fiscal, permitindo um déficit de até R$ 28,8 bilhões em 2024, R$ 31 bilhões em 2025 e R$ 32,9 bilhões em 2026. "Nas próprias apresentações do governo, quando se coloca toda a despesa, há déficit. Esse é o número que importa para a dívida pública", destaca Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Projeções desafiadoras para o futuro
A equipe do BTG projeta um déficit efetivo de R$ 47,65 bilhões em 2024 e de R$ 109,73 bilhões em 2025. Para 2026, a previsão também é de déficit. O cenário se torna ainda mais desafiador devido ao ciclo de aumento de juros, que impacta as projeções de crescimento da dívida pública. Segundo estimativas do BTG, a dívida bruta deve ultrapassar 80% do PIB já em 2025, fechando o ano em 81,58% do Produto Interno Bruto.
Mansueto destaca que, para o Brasil recuperar o grau de investimento pelas agências de classificação de risco, é preciso responder a uma questão crucial: quando o país espera alcançar um superávit suficiente para estabilizar a dívida e colocá-la em trajetória de queda? "Hoje, não conseguimos responder a essa pergunta. Para o arcabouço fiscal se sustentar, será necessário mexer nas vinculações de saúde e educação ou em algumas regras de crescimento das despesas obrigatórias", explica.
Felipe Salto, ex-secretário de Fazenda de São Paulo e economista-chefe da Warren Investimentos, também é cético quanto às promessas do governo. Ele afirma que o governo não vai alcançar a meta de déficit zero. "A equipe econômica prometeu recuperar o resultado para chegar a um superávit primário entre 2025 e 2026, mas isso não vai acontecer", aponta.
Mudança na meta fiscal e ajustes necessários
A equipe da Warren projeta um déficit cheio (sem descontos) de R$ 69,2 bilhões em 2024, R$ 108,7 bilhões em 2025 e R$ 122,4 bilhões em 2026. Salto prevê que o governo precisará ajustar a meta fiscal a partir do ano que vem e que as contas públicas só devem ficar no azul em 2031. "Na nossa análise, é necessário um superávit de 1,5% do PIB para estabilizar a dívida. Mas, ao invés disso, o governo está criando subterfúgios, abatendo os precatórios e usando a banda inferior da regra fiscal como se fosse a meta", critica.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, por outro lado, acredita que o governo poderá alcançar um superávit efetivo em 2026 ainda no governo Lula. "Estamos em um momento sensacional do país, com crescimento e índices de desemprego nas mínimas históricas. Estamos recuperando o fiscal e precisamos seguir nessa trajetória", avalia Ceron.
Apesar do otimismo do governo, o Tribunal de Contas da União (TCU) já alertou que focar na banda inferior da meta não é uma estratégia válida. Salto também contesta o argumento de que o problema dos precatórios foi herdado do governo Bolsonaro e que o STF decidiu excluí-los das regras fiscais. "O governo poderia ter economizado para pagar os precatórios. Poderia ajustar o Orçamento para garantir que a meta fosse alcançada", afirma.
Desafios para o resto do mandato
No primeiro ano do governo Lula, as contas públicas fecharam com um rombo de R$ 264,5 bilhões em 2023, segundo o resultado final do Banco Central. O déficit foi influenciado pela regularização dos precatórios, com um passivo de R$ 92,4 bilhões autorizado para pagamento pelo STF no fim de 2022.
Na proposta orçamentária de 2025, o governo afirma que a programação para 2026 pressupõe a existência de receitas suficientes para alcançar a meta de superávit de 0,25% do PIB, incluindo medidas em estudo para aumentar a arrecadação. No entanto, com déficits projetados para os quatro anos do mandato, especialistas apontam que o governo Lula pode estar perdendo a oportunidade de reduzir as taxas de juros mais rapidamente, ao não priorizar a responsabilidade fiscal como uma meta máxima.
(Com Folha de São Paulo)