Views
A agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, aprovou na segunda-feira (7) um novo medicamento para tratar pacientes de Alzheimer em estágio inicial, chamado de Aduhelm. O fármaco é o primeiro que promete retardar a progressão da doença, que leva a perda severa da memória e de outras funções cognitivas.
O Aduhelm é ainda o primeiro medicamento aprovado em 18 anos contra o Alzheimer, o tipo de demência mais comum no Brasil e no mundo.
Apesar da esperança, a médica e professora de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Claudia Suemoto, ressalta que os estudos sobre o fármaco ainda não foram capazes de comprovar eficácia.
"A aprovação pelo FDA me parece bastante precoce", diz Suemoto, que também é pesquisadora do Biobanco de Encéfalos Humanos da FMUSP.
No Brasil, a farmacêutica desenvolvedora já entrou com pedido de liberação da nova droga no país.
Abaixo, entenda o que está em jogo em 9 pontos
1 - Como funciona o remédio liberado pelos EUA?
O Aduhelm, também conhecido por seu nome genérico aducanumabe, é desenvolvido a partir de células de defesa de idosos sem demência.
Ele age por meio de anticorpos monoclonais, que removem depósitos da proteína beta-amiloide, presente em excesso no cérebro de pessoas com Alzheimer. Além disso, ao fornecer anticorpos, o remédio restaura parte da capacidade do organismo de eliminar o acúmulo da proteína.
Os desenvolvedores acreditam que, impedindo o excesso da beta-amiloide no estágio precoce da demência, é possível impedir que o paciente evolua para a perda severa de memória e a incapacidade de cuidar de si mesmo.
2 - Qual a polêmica em torno do Aduhelm?
O Alzheimer é causado pelo acúmulo de duas - e não apenas de uma - proteínas no cérebro: a beta-amiloide, presente nos tecidos cerebrais, e a tau, que se acumula no interior dos neurônios.
"Muitos cientistas consideram que, para tratar as causas do Alzheimer, é preciso remover o excesso das duas proteínas. Por isso, o tratamento com o Aduhelm seria muito simplista, uma vez que ataca somente uma delas, a beta-amiloide", afirma Suemoto.
A professora da FMUSP explica que a ciência não conseguiu desenvolver nenhuma droga até o momento capaz de agir na proteína tau. "Os testes que buscam atacar a tau para tratar a demência ainda são muito iniciais", diz.
Os únicos dois testes feitos com o Aduhelm, por sua vez, ainda não foram capazes de comprovar a real eficácia do remédio no combate à causa da demência, de acordo com um painel de especialistas independentes que analisou as evidências dos estudos.
3 - O que dizem os testes com o Aduhelm?
Os dois estudos com o medicamento foram suspensos em 2019 depois que os cientistas não conseguiram demonstrar sua eficácia.
No ano passado, os pesquisadores revisaram os dados e concluíram que, em um dos testes, o Aduhelm reduziu em 22% a perda das funções cognitivas quando administrado em altas doses e somente em pacientes em estágio precoce.
"Foi demonstrado que o medicamento age contra a proteína beta-amiloide nos dois estudos, mas ainda não entendemos se ele tem um benefício claro contra o Alzheimer. Também não sabemos os efeitos colaterais associados ao uso", explica Suemoto.
Por isso, mesmo com a aprovação nos EUA, o FDA pediu novos testes e afirma que pode revogar a autorização no futuro. Enquanto isso, o medicamento pode ser usado no país.
4 - Por que está sendo considerado pioneiro?
Segundo a agência americana FDA, o Aduhelm é o primeiro tratamento que "visa a fisiopatologia subjacente da doença de Alzheimer, a presença de placas de beta-amiloide no cérebro".
"É a primeira droga que promete mudar o rumo do Alzheimer em pacientes no estágio inicial da doença", explica Suemoto.
Isso significa que os poucos medicamentos disponíveis até o momento tratam os sintomas já instalados - alteração de humor, perda de memória etc - e não a causa da doença.
Vale ressaltar que nem o Aduhelm nem qualquer outro fármaco fala em cura do Alzheimer.
5 - Existe uma estimativa de custo do tratamento?
Desenvolvido pela empresa Biogen Inc., o medicamento não é barato: pode custar 50 mil dólares - cerca de R$ 250 mil - por ano.
6 - O que é o Alzheimer?
O Alzheimer é uma demência progressiva que ataca o funcionamento do cérebro, acarretando problemas de memória, pensamento e comportamento. No estágio avançado, "a pessoa acaba perdendo a própria personalidade", diz Suemoto.
Os primeiros sinais começam, na maioria dos casos, a partir dos 65 anos. Entre os sintomas mais comuns estão:
- Mudanças no humor ou personalidade
- Confusão mental em relação a lugares, eventos e pessoas
- Perda de memória
- Alteração na capacidade de planejar
- Dificuldade para resolver problemas
- Dificuldade para completar tarefas que antes eram fáceis
- Dificuldade de comunicação falada e escrita
É a causa mais comum de demência no mundo todo. Logo em seguida, aparece a demência causada por acidentes vasculares cerebrais.
7 - Quais os fatores de risco para o desenvolvimento da doença?
O Alzheimer tem fatores de risco fixos, como a idade (idosos com mais de 65 anos) e a genética (parente de primeiro grau teve a doença), e fatores modificáveis, como as condições e o estilo de vida.
"O nível de educação é um fator para o Alzheimer. Quanto mais uma pessoa estudar durante a vida, menor o fator de risco, principalmente se os estudos começarem na primeira infância", diz Suemoto.
Outros fatores de risco modificáveis associados ao Alzheimer:
- Obesidade
- Doenças cardiovasculares
- Traumatismo craniano moderado e grave
8 - Como é feito o diagnóstico?
Suemoto explica que é mais comum os sintomas dos Alzheimer serem percebidos primeiro pelas pessoas próximas da pessoa.
"Geralmente, as pessoas próximas comentam com o médico a presença desses sintomas", diz.
A partir da suspeita, o médico solicita exames de sangue (para excluir qualquer outro diagnóstico), imagiologia cerebral, exame neurológico e faz uma série de testes cognitivos para avaliar a memória, a capacidade de raciocinar e a linguagem do paciente.
9 - Como é atualmente o tratamento do Alzheimer?
Existem apenas dois remédios para tratar a doença. O último deles foi aprovado em 2003, a memantina, que age impedindo a ação do excesso do glutamato nos neurônios. Altos níveis do composto facilitam a entrada do cálcio nas células neuronais, levando-as à morte.
O outro medicamento são os anticolinesterásicos, que visam aumentar o nível de acetilcolina, um neurotransmissor decisivo no desempenho cognitivo do paciente.
Além do tratamento medicamentoso, é recomendado a participação em atividades agradáveis ao paciente, com o objetivo de melhorar o humor e bem estar, assim como intervenções comportamentais, para ajudar com as mudanças comportamentais como agressão, insônia e agitação.
(Laís Modelli)