'Economia não gira em torno da Selic', diz presidente do Banco Central
Durante evento em Londres, presidente do Banco Central falou sobre a relação entre juros, crédito e inflação no Brasil

O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, disse na sexta-feira (21), em Londres, que a economia não gira em torno da Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira.

A resposta foi dada a um empresário, durante o evento Lide Brazil Conference, que havia afirmado que o elevado patamar da taxa de juros atrapalha o crescimento do país. 

Campos Neto falou que só 20% do crédito é ligado à Selic, e o restante está relacionado a taxas longas. "Obviamente, o Banco Central quer cair o juro", disse.

"Se a gente não conseguir fazer um movimento na Selic com credibilidade, a taxa longa não cai", justificou o presidente do BC. "O que move o Brasil não é a taxa de juros de um dia, é a taxa de juros de três, cinco, dez anos. Para fazer com que a queda da Selic gere um movimento de queda prolongada de juros, precisa ter credibilidade. O Banco Central está esperando o melhor momento para fazer isso com um ganho real para as pessoas. A economia não gira na Selic", completou.

Para justificar a necessidade de se manter a Selic no patamar em que se encontra, Campos Neto comparou a política monetária a uma tubulação de água que fica entupida: para se atingir o fluxo de água desejado, no caso da economia, pelo elevado percentual de crédito, o BC precisa aumentar a pressão da água.

"Uma das coisas que explica a tubulação da política monetária entupida é o elevado porcentual de crédito direcionado", disse, explicando que quando isso ocorre, e a política monetária muda, o BC não tem influência sobre este porcentual.

Então, de acordo com ele, para se ter o efeito desejado, o BC aumenta a pressão de juro na "tubulação congestionada". "É o efeito que a gente chama também da meia-entrada. Se você tem a meia entrada, a principal tem que ser mais cara para compensar", disse, acrescentando que, enquanto no Brasil há 40% de direcionamento de crédito, em outros países o índice é de, em média, 4%.

"Isso explica, em parte, o porquê de às vezes o nosso juro ser mais alto. É porque um componente de crédito subsidiado mais alto faz com que nossa política monetária tenha menos efeito".

Campos Neto insistiu que, estruturalmente, a taxa de juro tem que ser maior quando o componente de crédito subsidiado é também alto. "Isso não é porque eu acho que A ou B é correto ou errado. Isso é um estudo que sai da relação entre potência da política monetária e o espaço que a gente tem", afirmou.

Sobre os argumentos de que a taxa de juro real no Brasil é muito alta, o presidente do BC diz que se for comparar a taxa real de um país que já aumentou a taxa nominal com países que ainda estão subindo a sua taxa nominal de juro, o resultado da comparação das taxas reais será distorcido.

"Então, a gente precisa medir contra o núcleo da inflação, dado que nossa inflação cheia tem a contaminação da desoneração dos preços de comunicação, gasolina e energia elétrica. Isso afetou a inflação cheia. Mas ela é alta, mas não está muito distante das dos outros", disse Campos Neto.

Ele fez um discurso amparado em números, no qual defendeu com veemência o sistema de metas de inflação e a autonomia do BC. "O anseio pela queda de juros é político, mas nosso trabalho é técnico", afirmou.

O dirigente lembrou que a Argentina aumentou sua meta e a taxa de juros caiu, mas a inflação disparou. Segundo Campos Neto, se o Banco Central não tivesse aumentado a taxa de juros na eleição, hoje a Selic seria de 18,75%. "Quando a inflação sai do controle, as empresas e o ricos se adaptam, mas os pobres não. Inflação é desigualdade e aumento de pobreza. Quem tem menos recursos não consegue se proteger", afirmou.

O economista frisou que, se for feito um ajuste de juros "sem as condições", o resultado pode ser "desastroso" para o crédito. "Países que abandonaram o sistema de meta entraram num sistema inflacionário muito alto", completou.

Empréstimos

Em sua fala, o presidente do BC também reafirmou a imprtância da independência do banco para a economia do país, principalmente em momentos em aumenta a pressão política para que ele reduza os custos de empréstimos.

Atualmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros membros do governo vêm pressionando o BC a reduzir as taxas de juros de referência, que estão em 13,75%, a maior alta em seis anos. Mas Neto, defende as ações do banco.

"O que fazemos é por razões técnicas, não políticas", disse, acrescentando que baixar os juros "só funciona no crédito se houver credibilidade".

"Antigamente cortávamos os juros e, em vez de aumentar o crédito, ele caía, porque não havia credibilidade para fazer esse movimento", disse.

Campos Neto também afirmou não acreditar que a inflação esteja sendo impulsionada por restrições de oferta, defendendo os juros altos e as metas técnicas que o banco está usando para determinar suas ações.

O Brasil tem uma meta de inflação de 3,25% para 2023, que será reduzida para 3% em 2024, mas os preços ao consumidor atingiram 4,65% nos 12 meses até março. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) acontece nos dias 2 e 3 de maio.

Campos Neto disse que o Banco Central brasileiro fez a maior alta de juros da história mundial em período eleitoral, o que "mostra que o Banco Central é bastante independente".

"Fomos muito independentes durante o processo eleitoral (presidencial). Se não tivéssemos aumentado os juros durante as eleições, a inflação seria maior", defendeu.

Para Campos Neto a independência do BC não está ameaçada: "O debate sobre taxas de juros é uma coisa normal. Precisamos melhorar a comunicação do que fazemos, como tomamos decisões".

Lula, no início deste mês, sugeriu uma possível mudança da meta de inflação, chamando os altos custos de empréstimos no país de "inexplicáveis".

"O timing do banco central é técnico e diferente do timing político. O custo de combater a inflação é alto, mas o custo de não combatê-la é muito maior", justificou Campos Neto.

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