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A possibilidade de realizar pagamentos com Pix apenas aproximando o celular de outro dispositivo deve chegar para algumas pessoas antes do previsto. Isso ocorre porque o mercado está se movimentando para entregar essa solução aos seus clientes mesmo antes da data estipulada pelo Banco Central (BC) para a implementação da chamada Jornada Sem Redirecionamento (JSR) no "open finance", que permitirá a utilização do Pix por aproximação via carteiras digitais de forma mais ampla.
O BC planeja lançar a JSR em fevereiro de 2025, mas o Itaú, por exemplo, já anunciou a oferta do Pix por aproximação a partir de outubro. Inicialmente, essa funcionalidade será aceita apenas nas maquininhas da Rede, credenciadora do banco. Já o Google Pay anunciou a possibilidade de pagamento por Pix em sua carteira digital, mas ainda por meio de chave Pix ou QR Code, e não por aproximação. Por enquanto, essa opção está sendo disponibilizada de forma gradual para clientes do C6 Bank e PicPay. O Banco do Brasil, por sua vez, informou que está trabalhando para disponibilizar o Pix por aproximação até o final deste ano.
Essas antecipações dividiram as opiniões de especialistas em pagamentos e participantes do setor. Alguns consideram a iniciativa positiva, enquanto outros acreditam que isso pode gerar confusão entre os usuários, já que, ao menos inicialmente, o recurso não terá aceitação ampla no mercado.
A ideia do BC com a JSR é simplificar a jornada de iniciação de pagamentos, reduzindo as etapas do processo. Por exemplo, será possível realizar uma compra online via Pix sem a necessidade de autorizar a transação no aplicativo da instituição financeira, mediante uma pré-autorização na plataforma do comércio. O Pix por aproximação seria mais um caso de uso.
Para o Banco do Brasil (BB), considerando a base significativa de clientes que já utilizam o pagamento por aproximação pelas "wallets", a inclusão do Pix seria um passo natural. "O BB acredita que há espaço para a rápida adoção dessa solução."
Elisa Joia, chefe de operações de pagamentos do Google na América Latina, afirmou que foi um "movimento natural" levar o Pix para a carteira do Google e que a empresa está em conversas com diversos bancos para novas integrações. Quanto ao Pix por aproximação, ela destacou que a jornada sem redirecionamento viabiliza diversos casos de uso e que "o Google está sempre atento aos movimentos de mercado".
Desde o anúncio das regras, em julho, o BC já cumpriu outra etapa do desenvolvimento ao publicar normas que detalham o funcionamento da JSR. Essas normas estabelecem, entre outros pontos, limites mínimos adicionais para capital social e patrimônio líquido para as instituições que quiserem oferecer o serviço, além de delimitar as regras de participação e responsabilidade das instituições.
Durante as discussões sobre a implementação da JSR, houve debates sobre a adoção ou não de contratos bilaterais, e o BC decidiu que não havia necessidade. "Optamos pelo formato aberto. Sempre é melhor", disse Otavio Damaso, diretor de regulação do BC, em entrevista ao Valor, em julho.
O BC explicou que, para possibilitar o Pix por aproximação em contratos bilaterais, é necessário que a carteira digital e a instituição que presta serviço de conectividade ao lojista implementem mecanismos de NFC (tecnologia que permite o pagamento por aproximação). Já existem protocolos de mercado abertos que podem viabilizar essa comunicação. Nesse sentido, o BC informou que está trabalhando para padronizar a implementação de protocolos. "Uma vez regulamentado, as instituições que eventualmente já tiverem implementado o modelo deverão providenciar os ajustes aplicáveis."
O Itaú informou que vem desenvolvendo a solução de Pix por aproximação há meses e que pensou em uma solução "que possa ser utilizada por todo o mercado". Questionado sobre o lançamento do recurso com aceitação apenas nas maquininhas da Rede, o CEO do Itaú, Milton Maluhy, disse que o produto está sendo construído de forma aderente à regulação do BC e que ajustes podem ser feitos no futuro. Ele acrescentou que o Pix por aproximação deve ter um "impacto significativo" na experiência do cliente, uma vez que o uso do pagamento instantâneo em comércios ainda apresenta algumas fricções.
Este mês, o presidente da Cielo, Estanislau Bassols, afirmou preferir a oferta de soluções com aceitação ampla no mercado. "Vejo com bons olhos toda inovação da indústria, mas nosso caminho está sendo o de fazer aquilo que tem mais ubiquidade. Se o usuário tenta fazer o pagamento e ele funciona em uma maquininha e não em outra, isso é um pouco complexo."
Para Gustavo Lino, presidente da Associação dos Iniciadores de Transação de Pagamentos (Init), o potencial da solução é grande, e por isso é esperado que mais empresas anunciem lançamentos antes de fevereiro. No entanto, ele ressalta que o BC tem atuado para padronizar os recursos que estão surgindo, visando facilitar o entendimento do usuário. "Esse é o espírito que buscamos no open finance", afirma.
Larissa Arruy, sócia de bancos e serviços financeiros do Mattos Filho, avalia que tanto o Pix por aproximação quanto a possibilidade de pagar sem redirecionamento no comércio digital têm grande potencial. Segundo ela, a regulamentação do BC "será um impulsionador de novos modelos de negócios".
Ao melhorar a experiência de uso do cliente com o pagamento instantâneo, o Pix por aproximação deve ajudar o meio de pagamento a ganhar ainda mais tração e a competir de forma mais direta com os cartões, especialmente os de débito. Giancarlo Greco, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) e CEO da Elo, disse que o lançamento pode "reduzir um pouco o negócio de débito", mas que o Pix traz benefícios para o setor de cartões em geral.
Victor Urano Braga, cofundador e CMO da Pluggy, avalia que a experiência do Pix por aproximação compete diretamente com a de pagar com cartão. "Quem não correr para se adaptar a isso, verá sua relevância diminuir à medida que os clientes preferirem pagar com Pix por NFC."
O Santander informou que avalia positivamente qualquer medida que simplifique ainda mais a jornada de pagamento e que tem participado "ativamente das agendas promovidas pelo BC", contribuindo para o desenho das regras e dos processos tecnológicos que colocarão o sistema em prática. A Caixa afirmou que disponibilizará o Pix por aproximação para seus clientes "até fevereiro de 2025" e que está trabalhando em iniciativas que permitirão pagamentos e transferências por meio do aplicativo do banco, usando valores de contas em outras instituições. O Bradesco não respondeu.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) destacou que a agenda de inovação do BC se tornou "notória" na atual gestão. A entidade acredita que o principal desafio para a JSR envolve garantir que a segurança transacional seja a mesma de uma transação iniciada no próprio canal das instituições. "A Febraban estará muito diligente em demandar do regulador essas salvaguardas."