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Os mercados locais iniciaram o ano com um cenário de alívio, recuperando parte das perdas registradas durante o pânico de dezembro de 2024, quando houve uma forte reação negativa diante da deterioração nas perspectivas para as contas públicas. Embora o desempenho positivo de janeiro tenha sido bem recebido, analistas avaliam que a melhora é pontual e não altera a percepção dos investidores sobre o Brasil no longo prazo.
O dólar caminha para encerrar janeiro com uma queda de mais de 5%, sendo negociado próximo de R$ 5,83, o menor valor em dois meses. Já os juros futuros acumulam uma baixa de cerca de 1 ponto percentual no período, enquanto o Ibovespa registra um avanço de aproximadamente 5% no mês, marcando a primeira alta mensal desde agosto. O desempenho é atribuído, em parte, ao nível depreciado dos preços e à reação moderada do governo de Donald Trump em relação às tarifas comerciais no início de seu novo mandato nos Estados Unidos.
Mercado de câmbio reage à volatilidade de dezembro
O cenário turbulento de dezembro abriu oportunidades para investidores interessados em ativos brasileiros. Naquele mês, o dólar atingiu sua máxima histórica, superando R$ 6,30, os juros futuros dispararam 2 pontos percentuais e o Ibovespa caiu 4%. O gatilho para essa reação foi o pacote de corte de gastos do governo, considerado abaixo das expectativas, aliado à proposta de isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5.000.
Com a reversão parcial desse cenário em janeiro, investidores estrangeiros reduziram em US$ 10 bilhões, para US$ 58 bilhões, suas apostas a favor de um dólar mais forte contra o real, segundo dados da B3 compilados pela Bloomberg. Já os fundos locais voltaram a ficar vendidos em dólar no valor de US$ 1,9 bilhão, após desfazerem US$ 6,3 bilhões em posições através de derivativos.
“Estávamos taticamente construtivos com o Brasil por causa do prêmio e do posicionamento”, afirmou Huang Seen, gestor de renda fixa e multimercados da Schroders, indicando que o fundo detém posições que se beneficiam de juros menores.
Ibovespa impulsionado por cenário externo favorável
O movimento de queda do dólar e dos juros futuros contribuiu para o desempenho positivo do Ibovespa em janeiro. Viccenzo Paternostro, gestor de renda variável da Gap Asset, destacou que a postura menos agressiva de Trump em relação à China no início de seu mandato beneficiou os mercados emergentes, favorecendo o Brasil.
No entanto, Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, considera que o alívio registrado em janeiro foi mais “técnico e tático” do que uma melhora nos fundamentos da economia. “Tivemos um mês muito calmo, sem Congresso, sem muitas novidades, com um cenário técnico mais brando e ausência de políticas tarifárias mais negativas nos EUA”, explicou Cunha. “Vimos um desmonte de posições.”
Incertezas fiscais e cautela com o futuro
Apesar do alívio recente, as incertezas fiscais e a previsão de uma piora macroeconômica no horizonte, com a expectativa de alta da Selic e da inflação, dificultam um otimismo sustentado em relação ao Brasil. Huang Seen, da Schroders, afirmou que uma postura tática continua sendo a mais segura para lidar com os ativos locais.
“Com esse movimento de alívio recente, talvez uma parte relevante da melhora já tenha acontecido”, afirmou Seen. “O viés agora é de reduzir as posições.”
‘O ano começa agora’, dizem analistas
Para Daniel Cunha, o desempenho positivo de janeiro não deve ser visto como um prenúncio para o restante do ano. Ele argumenta que o fluxo atual de investimentos ainda não demonstra um direcionamento claro para os ativos brasileiros, sendo mais associado ao ‘smart money’, ou seja, fluxos de capital voltados para investimentos de curto prazo.
“A dinâmica de janeiro pouco tem a dizer sobre os próximos 11 meses. Na verdade, o ano começa agora”, concluiu Cunha, reforçando a necessidade de cautela diante do cenário fiscal e político que o Brasil enfrentará nos próximos meses.