A perspectiva para as ofertas públicas iniciais permanece limitada em 2026, diante de um ambiente marcado pelo aumento das incertezas políticas e pela fragilidade do cenário fiscal. Analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast avaliam que, mesmo com a expectativa de início do ciclo de queda da taxa Selic no primeiro trimestre do próximo ano, o movimento não deve ser suficiente para reativar o mercado de capitais e romper a sequência de quatro anos sem IPOs na B3. O último lançamento ocorreu em 2021, após o boom observado em 2020 e 2021, quando 74 empresas abriram capital.
Levantamento da B3 mostra que, nas últimas duas décadas, anos de eleição presidencial registraram significativamente menos estreias de ações, com exceção de 2006, quando o cenário econômico doméstico apresentou crescimento, contas públicas equilibradas e ampla liquidez internacional antes da crise do subprime. Segundo Zeina Latif, sócia da consultoria Gibraltar, o quadro atual não oferece a visibilidade necessária para decisões de longo prazo. Ela afirma que as empresas só avançam quando têm clareza sobre o ambiente macroeconômico e político, algo que tende a permanecer incerto até a definição do novo governo. Para a economista, uma sinalização clara de compromisso fiscal por parte de um futuro presidente poderia melhorar expectativas, influenciar o câmbio e reduzir prêmios de risco, criando um ambiente mais favorável à retomada dos IPOs.
A avaliação é reforçada por George Costa e Silva, chefe de ECM do Bradesco BBI, que destaca a necessidade de uma janela mais duradoura de estabilidade, combinando queda consistente da inflação, avanço das expectativas fiscais e menor volatilidade política. Ele observa que, embora a curva longa de juros ao redor de 12% já pudesse favorecer múltiplos e tornar avaliações mais atrativas, o mercado ainda não reúne condições para uma onda de aberturas de capital. Segundo ele, casos isolados de empresas de tecnologia e fintechs podem buscar ofertas no exterior em 2026, aproveitando o apetite maior dos investidores americanos.
Para Beto Saadia, economista-chefe da Nomos, o cenário permanece tímido para o próximo ano, mas a aproximação de um candidato com agenda fiscalista nas pesquisas poderia estimular empresas a iniciarem processos internos para uma futura abertura de capital. Mesmo assim, a expectativa é que eventuais ofertas ocorram apenas em 2027. Visão semelhante tem o estrategista Rafael Espinoso, da Tivio Capital, que aponta que sinais de compromisso com o equilíbrio das contas públicas podem influenciar tanto investidores quanto companhias.
Gustavo Bertotti, analista da Fami Capital, reforça que, embora a política tenha peso no curto prazo, a situação fiscal continuará sendo o principal fator para o mercado. Ele projeta que 2026 seguirá como um ano de baixo volume de ofertas, apesar da provável redução da Selic. Já Costa e Silva pondera que as empresas brasileiras demonstraram capacidade de adaptação nos últimos anos, embora avalie que a abertura de janela deverá ocorrer apenas para operações maiores, da ordem de bilhões de reais.
Enquanto a B3 atravessa um período prolongado sem IPOs, cresce o interesse de companhias brasileiras pela dupla listagem nos Estados Unidos. Segundo fontes consultadas, ao menos duas empresas com perfil internacional, semelhante ao da JBS, sondam escritórios especializados para avaliar a estreia simultânea no mercado americano. A busca está ligada à maior liquidez das bolsas de Nova York, ao potencial de destravamento de valor das ações e ao acesso a capital internacional com custos mais competitivos.
Essa estratégia já foi adotada por empresas brasileiras em anos recentes. O Banco Inter migrou para a Nasdaq em 2022 e, em 2024, a JBS estreou na Nyse, ampliando a liquidez dos papéis e reforçando sua presença global. No caso da JBS, a reorganização societária exigiu registro na Securities and Exchange Commission e autorização da Comissão de Valores Mobiliários no Brasil para o programa de BDRs. O movimento é visto por especialistas como uma opção natural para companhias que já obtêm parte relevante de suas receitas no exterior.
A avaliação geral do mercado aponta que 2026 deve ser mais um ano de transição. As condições atuais ainda não favorecem um ciclo amplo de aberturas de capital, e a retomada mais consistente tende a depender da combinação entre estabilidade política, avanço firme no ajuste fiscal e manutenção de um ambiente de juros em trajetória de queda. Até lá, a alternativa mais provável para companhias com perfil internacional continuará sendo a busca por liquidez e visibilidade no mercado americano.









