A Comissão de Valores Mobiliários intensificou, de forma discreta, a apuração sobre uma possível manipulação no preço das ações da Ambipar, revisitando um caso que havia sido dado como encerrado após a dispensa da companhia de realizar uma oferta pública de aquisição. A investigação, agora conduzida pela Superintendência de Processos Sancionadores, busca esclarecer as operações que antecederam a valorização superior a 800% dos papéis entre maio e agosto do ano passado.
O processo ganhou força após a área técnica da autarquia detalhar, em relatório, os movimentos que teriam contribuído para a escalada das ações. Esse documento apontou uma série de operações envolvendo fundos e estruturas ligadas ao Banco Master, ao empresário Nelson Tanure e ao controlador da Ambipar, Tércio Borlenghi Junior. Segundo apuração da área técnica, essas operações teriam criado cruzamentos societários e financeiros que ampliaram a demanda pelos papéis da companhia no período.
Antes de chegar à atual fase, o assunto passou pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários, responsável pelo monitoramento das negociações no mercado de capitais. O avanço da investigação levou à convocação de profissionais de corretoras e gestoras atuantes em mesas de trade, que já prestaram depoimentos à autarquia. Master, Tanure e Borlenghi sempre negaram qualquer atuação conjunta ou relação operacional voltada a influenciar artificialmente o preço das ações da Ambipar.
O relatório técnico que embasou a análise da CVM relata que, em março de 2024, foi criado o fundo Phoenix FIP, ligado a Tanure e gerido pela Trustee DTVM, empresa então pertencente ao mesmo grupo econômico do Banco Master. Nesse período, a Phoenix SA, controlada pelo fundo, emitiu debêntures usadas para financiar a aquisição da Emae, realizada em abril, na primeira privatização do governo paulista sob Tarcísio de Freitas. Os títulos foram subscritos pelo Master Capital FIM, fundo exclusivo do Banco Master, tendo como garantia ações da Emae e da Ambipar.
As ações cedidas como garantia eram pertencentes ao controlador da Ambipar e ao fundo Esna, também gerido pela Trustee. Os documentos mencionam que, entre junho e agosto, esses dois investidores, acompanhados dos fundos Kyra FIA e Texas FIA, iniciaram uma sequência de compras que impulsionou a cotação da Ambipar. Em setembro, o fundo Ilha de Patmos, associado a Tanure, tornou-se cotista do Esna, substituindo o Banco Master, e posteriormente transferiu suas cotas ao fundo Phoenix, que já figurava na aquisição da Emae.
Enquanto a CVM aprofunda a apuração, os envolvidos enfrentam dificuldades externas. O Banco Central decretou a liquidação do Banco Master, e seu controlador, Daniel Vorcaro, foi preso. A Ambipar ingressou com pedido de recuperação judicial, e suas ações recuaram para valores próximos de centavos. Tanure, por sua vez, não quitou os juros das debêntures emitidas, resultando na execução das garantias e na perda das ações da Emae, que passaram ao controle da Sabesp.
A própria CVM vive um momento de fragilidade institucional. O colegiado opera com três dos cinco assentos preenchidos, e uma das cadeiras permanece vaga há quase um ano. Em julho, o então presidente João Pedro Nascimento renunciou dois anos antes do fim de seu mandato, durante a análise do recurso que discutia a obrigatoriedade de OPA pela Ambipar. O voto do presidente era favorável à oferta e incluía o relatório sobre indícios de manipulação. Após sua saída, o voto de minerva do presidente interino Otto Lobo reverteu a posição, e a obrigatoriedade da OPA foi descartada no final do mês.
Procurados para comentar o tema, Ambipar informou que não se manifestaria, enquanto Master e Tanure não responderam. A CVM reiterou que não comenta casos específicos. Para o presidente da Abradin, Aurélio Valporto, o encerramento da discussão da OPA sem considerar integralmente o parecer técnico causou desconforto entre participantes do mercado, que aguardam esclarecimentos para reforçar a transparência e a segurança das operações no setor.










